domingo, 24 de agosto de 2014

Quando os pais se tornam filhos


Apesar de todos sabermos que somos mortais, passamos o tempo a comportarmo-nos como se fossemos eternos. A doença inesperada de um familiar próximo e a tomada de consciência de que a vida é o bem mais precário que possuímos, fez com que, em plena lucidez, tomasse as rédeas daquilo que quero que se faça com o que é meu de direito. Com efeito, tudo o que tenho é produto do meu trabalho e não pretendo que a mão da lei decida, contra minha vontade, sobre o que me pertence. Já aqui, aliás, falei deste assunto e neste momento estou relativamente descansada.
Mas, neste deambular entre as disposições legais para quem não tem o cuidado de acautelar desejos próprios, deparei-me com um fenómeno que me impressionou bastante. De facto, fruto de encarar os filhos como um seguro de vida para a velhice, uma parte substancial de pais que conheço, comporta-se como se tivesse um direito adquirido sobre a vida deles, limitando-lhes, por vezes de forma dramática, as suas escolhas pessoais e transmitindo-lhes um sentimento de culpa sempre que elas representam uma redução daquilo a que se julgam no direito de exigir. É assim que criando com eles uma relação de dependência, se transformam em filhos dos próprios filhos.
Não sei se isto é um fenómeno das sociedades latinas, nem sequer vislumbro se a crise o terá acentuado. Julgo que não, dado que também existe a situação inversa, de os pais verem prolongadas as suas responsabilidades para com os filhos que, com a crise, tardam em sair da casa paterna.
Qualquer das soluções está inquinada. Os filhos devem ser educados para voarem pelas suas próprias as asas e os pais devem evitar dependências que cortem as asas dos filhos!

HSC

15 comentários:

bea disse...

...E vivam os filhos alados!

Anónimo disse...

Mais uma vez, e mais do mesmo: gosto mesmo muito de si, muito obrigada e que Deus a abençoe.

Carina

Ältere Leute disse...

Totalmente de acordo consigo ! Sempre procurei manter o "fio de prumo" no lugar, neste assunto, mas sei que é fácil ir na tentação de "entortá-lo" . Como em tempos disse a alguém próximo, espero conservar a lucidez nos próximos anos.

Ältere Leute disse...

Já agora, permita-me partilhar este texto !

Um Jeito Manso disse...

Olá Helena,

Não posso estar mais de acordo. Mas tenho-me deparado com situações em que, por ser a situação prolongada e por as despesas serem tantas, todas as economias se vão e as reformas não chegam.

Quem não passa por estas situações não sabe o custo de fraldas, resguardos, pomadas, medicamentos, médicos, fisioterapeutas, etc. Por isso me insurjo quando vejo a facilidade com que se anunciam cortes nas reformas. É desumano para quem se vê dependente de outros, a ser uma fonte de despesa, e a ouvir que o seu rendimento vai sofrer cortes...

Numa situação difícil destas, quem senão os filhos terão que se ocupar dos pais?

Para alguns filhos pode ser apenas um corte de rendimentos mas, para outros, é um verdadeiro corte de asas - e de pernas.

A vida não está fácil para quem se veja numa situação assim.

Um abraço, Helena, e façamos figas para que nunca tenhamos que ser um peso para os nosso filhos. É coisa em que nem quero pensar. Gosto de pensar que sou um apoio para os meus filhos e nem quero pensar se algum dia lhes vou dar trabalho e despesa. Mas, enfim, tenho percebido que isto são coisas que a gente não escolhe. Temas complicados.

Anónimo disse...

Helena uma frase acertada mas nem sempre posta em prática.
A minha avó têm tido a sorte de ser tratada como merece, será sempre uma referência na minha vida.
Devido a um avc está totalmente dependente da minha mãe.
Para puder ir de férias 10 dias colocou-a num lar, de uma pessoa bem conhecida de nós, a mensalidade são 850 €.
Estavamos tranquilos telefonavamos diáriamente, o pior estava para vir, quando a minha mãe a foi buscar, mal conseguia andar, teve que sair pelo elevador, quando chegou subiu as escadas até ao
1º andar sem problemas.
Chegada a casa, deparamos com com um cenário chocante, escaras nas costas e outras partes... bolhas enormes nos pés (calcanhares), um cheiro horrivel, bastante branca, perdeu kg. Posto isto tivemos que chamar um medico a casa, diagnóstico demasiadas horas na cama suja, mal alimentada, vai uma infermeira a casa dia sim/não fazer o penso, está a tomar antibioticos.
Quiz chamar a dona do lar a casa para ver a situação em que veio a minha avó, o medico sem exitar referiu que ia pedir uma inspecção ao lar, logo não o fiz porque se o fizesse saberia que a denuncia tinha partido de nós,a dona é minha vizinha.
Penso que ela não sabe os que as empregadas fazem, é deveras triste um ser humano sem capacidade para se expressar ser tratado tão mal. Como é possivel a falta de sensibilidade, humanismo por parte das empregadas...
Hoje recuperou as suas faces rosadas, já anda.
A minha avó corta em parte as asas da minha mãe, mas também reconhecemos que o fazemos por amor.Infelizmente muitos dos idosos em Portugal são vistos como empecilhos, esquecidos nos hospitais...será que todos os seus filhos tiveram má educação?
Ou cada vez mais vivemos num mundo egocêntrico?

«Cultivar estados mentais positivos como a generosidade e a compaixão, decididamente conduz a melhor saúde mental e à felicidade»
Dalai Lama

Carla

Virginia disse...


Não gosto muito de contar com os filhos para assegurar o futuro. penso-me independente, ainda há bem pouco ajudava os filhos rapazes que agora são completamente independentes e ganham bem. A minha filha será sempre, em parte dependente de mim devido a doença, mas espero deixar-lhe uma conta que possa ajudá-la a sobreviver e os irmãos têm obrigação de olhar por ela, já que até agora, só me têm apoiado quando necessário. O meu ex- faz por ignorar o que se passa , mas vai deixar-lhe a herança dele que não será pequena. Quanto à saúde, é muito difícil prever o futuro, faço tudo para não ter surpresas, mas a vida não é como nós desejamos...o post acima da Carla revela bem como não se pode confiar nos lares, nem em pessoas conhecidas.
Tenho três filhos e três netos. Espero deixar-lhes o suficiente para ajudar nos estudos se necessário, mas não conto que eles cuidem de mim até à morte!!

Anónimo disse...

Nós nunca sabemos como vai ser o nosso fim Dra Helena. Todos quereríamos não precisar dos filhos. A UJM faz um comentário que subscrevo na integra. E depois, em muitas situações, nem o dinheiro (muito) é garantia de nada.
Não estamos sempre frescos e viçosos como gostaríamos, não é verdade?
E nesse caso, é aos filhos que cabe, ao menos o acompanhamento, o estar alerta, o tomar conta de alguma forma.

Unknown disse...

Às vezes, mesmo pensando-se independentes, as doenças dos nossos mais idosos ditam o contrário.
Tive 7 anos da minha vida em que à vez, um após o outro, perdi pais, tios, sogros, primos..., quase todos vítimas de cancro.
A todos chegou aquela altura em que a dependência é obrigatória. As cirurgias, os tratamentos, os medicamentos, a higiéne, o cuidado redobrado na alimentação, as noites, todas mal dormidas, porque um ouvido estava sempre junto deles... Felizmente que a minha família é muito unida e conseguimos que eles estivessem sempre acompanhados 24 horas por dia, dias a fio, anos a fio. Foi duro, muito duro, sobretudo o meu pai que teve um melanoma na cara. Vê-lo ser literalmente 'comido' pelo cancro foi de facto muito difícil. E já nem falo na despesa, o valor absurdo das fraldas e resguardos, dos toalhetes para adulto... Como é possível que artigos de primeira necessidade, porque nestes casos são mesmo de primeira necessidade, custem tantas centenas de Euros todos os meses?
A minha mãe, entretanto também falecida igualmente com cancro, sempre me disse aquele velho ditado: "Filho és, pai serás. Conforme fores assim acharás". Não tenho filhos, mas tenho a certeza que nós, filhos (noras, genros e netos), tudo fizemos para o bem estar dos nossos durante os seus últimos anos, exactamente aqueles que a dependência se torna imperativa, mesmo contra a sua vontade.
Um beijinho. Tenho por si uma profunda admiração.

Antonieta Barona disse...

Dra. Helena o seu post é muito actual. Mas infelizmente a situação do País tem levado a que a vida de pessoas (pais) que parecia estável, passasse a instavel. E, os mesmos que eram , perfeitamente independentes a todos os níveis, se vissem confrontados com situações de alguma dependencia, principalmente financeira.
O comentário de uma senhora de nome Carla é semelhante o que aconteceu com a minha mãe faz precisamente 5 anos. E foi o fim da sua vida.

Anónimo disse...

http://youtu.be/doOEWMbv5Wc

A

Anónimo disse...

De todas os medos que sinto, a possibilidade de poder vir a depender dos cuidados dos meus filhos, é o que mais me pesa. Gostaria muito que isso não acontecesse, mas a vida já me ensinou que, por vezes, até as coisas mais pensadas, mais bem planeadas saem ao contrário. E se eu não tiver capacidade para decidir? E se acabar por ter que ser mesmo tratada por eles? Temos uma ligação que me permite estar descansada, já que a ideia de ir para um lar me assusta mais ainda. Por vezes a escolha não passa por nós, nem pelo dinheiro, mas sim pelas injustiças da vida.

Fatyly disse...

Quando os governantes de um país não respeitam os seus velhos e as suas crianças...está tudo dito e mais não digo para não ferir susceptibilidades.

Há pais e pais, há filhos e filhos e em ambas as partes por vezes existe "uma cobrança" apenas quando precisam?
Conheço pais que toda a vida foram umas autênticas bestas para os filhos. Como é que podem exigir que os filhos tomem conta deles na sua velhice? Conheço casos que tratam melhor quem lhes deu amor, carinho, colo...do que quem lhes deu a vida e não os condeno por isso.
Depois e pensando no futuro...como serão a enormidade de crianças institucionalizadas onde por vezes prevalecem nos seus corações "Paredes frias, o som de portas que se fecham e lágrimas tão silenciados".

Não existem lares "seguros por fiscalizações de quem deveria fazer e não o faz" e quando surge uma denúncia...logo se arranjam lugares em Instituições credíveis.

Depois de anos e anos de muito trabalho e poupanças, pensam que não irão dar trabalho aos filhos e dará para um lar, mas graças ao "vilão das crises/mercados/crimes de colarinho branco dantescos e impunes", atiram as culpas para "o povo que foi gastador e que viveu acima das suas possibilidades" e toca de cortar cegamente onde jamais deveriam cortar.

Há dinheiro para gastar com a nova frota de popós dos Srs assessores dos assessores dos secretários dos secretários, para sustentar parlamentares que nada fazem, para...para...
e como tal
acham por bem cortar "o complemento de solidariedade social" a velhos acamados e já em lares" e outras coisas tais.

Já ando a tratar do "testamento vitae", não me recuperem em nada, não façam nada, apenas tirem-me as dores (que fica muito mais barato) e que me deixem partir em paz e assim não depender dos filhos e retirar "regalias a quem vive da política e não para a política!

Não sei se me fiz entender...mas para a maioria dos "velhos como eu" a vida não está nada fácil... se é que para mim...foi alguma vez fácil!!!!

Virginia disse...

Lembrei-me, a propósito, que a minha Avó que eu adorava e viveu com a minha Mãe durante 30 anos pois o meu Avô era muito mais velho, morreu na noite em que a "transladaram" para um lar no Restelo. A minha Mãe já não conseguia tratar dela, nem tinha meios em casa para que ela se sentisse bem e resolveu interná-la num lar muito bom. Nem chegou a ver se era bom, ela não sobreviveu à "viagem".

É um tema que me assusta, este da doença e da Morte, prefiro , para já, pensar no presente!

Anónimo disse...

Olá D. Helena,

Estou na casa dos quarenta, os meus pais estão reformados há algum tempo ... mas, o que quero dizer é que, há cerca de 5 anos, foram eles que me ajudaram a mim e ao meu marido a ultrapassar uma fase muito difícil.
Se por um lado, lhes estou muito grata, por outro lado, sinto-me, por vezes, um pouco envergonhada, por não ter sido capaz de me suster à primeira dificuldade económica e financeira ...
Filhos e pais precisam-se mutuamente, o ideal seria acolherem-se e ajudarem-se de forma solidária e voluntária, sem "obrigações".
Cumprimentos,
Cláudia