Se há campo onde a distinção entre "preço" e "valor" se torna essencial, esse campo é, sem qualquer dúvida, o do trabalho. Há muito que penso assim e tenho vários textos publicados sobre este assunto.
Recentemente fui convidada para fazer determinada tarefa para a qual, julgo, estaria habilitada. A conversa com a pessoa que me convidou foi muito agradável, falámos de vários assuntos que interessavam a ambos e, no fim, como sempre a custo, pus a questão da remuneração.
Inteligente, o meu interlocutor disse-me para eu dizer quanto pretendia. Não menos inteligente - falta de modéstia minha - retorqui que quem me convidava é que avaliava o "meu valor", visto que eu só podia dar-lhe o "meu preço" e não me parecia elegante fazê-lo.
Mensagem entendida de ambos os lados, ficou combinado que ele iria falar com quem de direito e me telefonaria com a proposta. Cumpriu.
Porém, os dois conceitos não coincidiram. Ou seja, o meu valor para eles era inferior ao meu preço. Educadamente agradeci e declinei o convite - felizmente ainda me posso dar ao luxo de dizer não - e expliquei que, no dia em que, no mercado onde me movo, se soubesse que tinha aceitado aquela proposta, eu nunca mais teria o mesmo valor. E esse, eu não pretendia - e enquanto puder, não pretendo - reduzir.
Moral da história: a tarefa que me propuseram até me daria muito prazer. Mas entre esse prazer e a minha valorização pessoal, foi esta que eu escolhi. E julgo que fiz bem!
HSC
11 comentários:
E fez certamente muito bem, Cara Helena.
À sombra da crise, vive-se um clima de exploração no mundo do trabalho, desprezando o valor do trabalhador. E, à custa destes, vai-se engordando a conta bancária destes empresários oportunistas.
Ainda bem que é das poucas pessoas que os pode pôr na ordem.
Só a posso felicitar pela recusa !
Isso é que é DIGNIDADE !
Fossem os artistas assim e as coisas neste meio não andariam pelas ruas da amargura.
Eu também tenho o meu preço...
Melhores cumprimentos.
A amalgama entre actividade e trabalho, a confusão entre emprego, salário e trabalho, é fonte de incompreensões.
Penso que é jogando entre os significados diversos da palavra "trabalho" que foi possível criar a noção do "fourre-tout" e transformá-la em "valor".
Na Grécia antiga, o trabalho era desprezível e degradante. O trabalho, o - "tripalium- era um instrumento de tortura. Na Bíblia, "tu ganharás o teu pão com o suor do teu rosto".
Hoje, o trabalho, que permite sobreviver , portanto necessário, nem sempre é considerado na outra vertente como essencial para a vida social e como meio de realização pessoal. Mas é o alfa e o ómega de todos os programas políticos, porque é essencial para construir a sociedade.
E uma sociedade que não pode garantir trabalho para todos encontra-se em perigo de morte.
O que é paradoxal é que actualmente, os ganhos de produtividade são constantes, mas o desemprego é estrutural.
A chantagem ao emprego é agora a arma de submissão preferida dos detentores de capital, contra aqueles que não possuem mais nada que " a sua força de trabalho".
Em conclusão, felizes aqueles que ainda podem questionar o preço do seu trabalho e defender o seu valor .
..."Eles" estão habituados a admitir estagiários a custo zero... É o Portugal que temos!
Salvam-se uns poucos que conseguem entrar como adjuntos dos secretários de estado e pouco mais...
Querida Drª Helena:
Cada vez mais os empregadores utilizam este método. Acredito que seja uma manobra para reduzir substancialmente as remunerações: as pessoas querem trabalhar por isso pedem um valor baixo (para não perder o posto).
Felizmente, agora estou bem (nesse campo):
- trabalho perto de casa;
- com bom ambiente de trabalho;
- boas condições e...
- A FAZER O QUE GOSTO.
Um beijinho
Bom domingo,
Vânia Batista
Estimada, Maria Helena Sacadura Cabral.
Bom dia, desde este outro lado do Atlântico ( Brasil ).
Parabéns, fizeste muito bem. Às vezes, recebemos este tipo de 'mimos'. Mas, comigo, eu já revelo no ato. Gostou, gostou. Não gostou, a Vida, segue. Por que o Mercado, é antagônico em suas escolhas, costumo escrever, que nele não existe prazer, e sim metas à cumprir.
Bom domingo, e beijo na Alma.
Caro Senhora,
Os meus parabéns!
Quando as pessoas perceberem, nomeadamente os jovens, que, aceitam estágios não remunerados, por acharem (talvez) ser melhor, que, ficar em "casa" e porque haverão sempre outros a aproveitar
estas ignominias, não estão a contribuir para serem respeitados pela entidade empregadora e tanto assim é, que rapidamente são substituidos.
Abram os olhos, um pouco de orgulho nunca fez mal a ninguém!
felizmente que pode tomar a atitude que tomou. Parabéns!
Por não haver coincidência entre trabalho e o valor dessa matéria prima é que há tanta injustiça principalmente quando diz respeito a que essa matéria prima ser executada por uma mulher.
Será por esse motivo que as mulheres ainda são uma minoria em muitos trabalhos mesmo e também sendo eles de caris intelectual!
Quando estava empregada uma das coisas que me revoltava, era ver a passividade das mulheres, e também as invejas (surdas) que havia, infelizmente entre mulheres... foi desabafo....
Beijinhos amigos, Zia
Ainda se fôsse só "o Portugal que temos" a coisa talvez se pudesse compôr como se compôs noutras épocas .
O problema é que o mundo que temos, mal e porcamente globalizado , está igualzinho , como qualquer pessoa que saia de cá sem ser em turismo bem o sabe.
Enquanto acharmos que o problema é só nosso e não aprendermos a enquadrá-lo no geral não vamos a lado nenhum .
Nisto como em tudo .
RuiMG
Fez muitíssimo bem. Se todos o conseguissem fazer muita coisa mudaria neste país, mas infelizmente segundo me disseram, até o subsidio de desemprego é suspenso se não aceitar o que oferecem.
Eu também acho que fez bem, muito bem.
Infelizmente não estamos todos nas mesmas condições. Sobretudo a minha geração, com casa para pagar e colégio da criança, se declinar o preço que me oferecem, perco o básico, e é só do básico que estou a falar...porque o resto o IVA e o IRS já me tirou!!
Um beijinho
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