O cancro, na minha família, matou as duas pessoas que mais amei: a minha mãe e o meu filho. Ambos passaram pelo IPO.
O Miguel fez do Instituto a sua casa. Recebia o partido, os amigos e a família como se todo aquele cenário fosse normal e o convívio destas três categorias de pessoas tornou-se na coisa mais natural do mundo. A mim, esse condição retirava-me a intimidade com ele e, por isso, confesso, em certas alturas custou-me imenso. Beijar ou acariciar um filho na presença de pessoas que apenas conhecia da televisão, foi muito complicado. Mas teve o condão de me fazer estima-las.
A minha mãe, no início, sofreu bastante porque os tratamentos eram muito duros. Mas encontrou em Inglaterra, onde o meu irmão mais velho então estava colocado, o médico que a salvou, pelo que o IPO lhe foi menos familiar.
Falo disto porque sei o que representa, numa família, ter um dos seus membros com tal doença. E sei que é preciso falar dela, para que o medo não se torne silencioso. O que todos mais tememos não é a morte, porque essa é segura e garantida. O que todos mais tememos é o sofrimento. E é esse que faz a grande diferença entre o que era esta doença há trinta anos, quando a minha mãe a teve, e aquilo que ela é agora, quando o meu filho a viveu.
Ambos morreram com extrema dignidade. A minha mãe, entregando-se a Deus. O Miguel, entregando-se a nós. É capaz, afinal, de não ser muito diferente!
HSC
17 comentários:
Apenas algum tempo decorrido se consegue começar a falar do que nos magoa muito, não é? Imagino como as palavras que escreveu vieram do mais fundo de si.
Fala-se nisto para que se perca um pouco o medo. Mas como não ter medo de uma ameaça tão brutal, não é? Mas tem razão, Helena, no que diz.
Eu perdi nos últimos anos também duas pessoas próximas e tenho uma que neste momento vive com a mesma doença e é verdade: não é já aquele sofrimento físico. O que custa mesmo é a ameaça, o terror do que pode estar por vir, o não se saber quando será mas saber-se que o relógio está a contar.
(Mas afinal não conta para toda a gente, mesmo os que estão ou se julgam saudáveis...?)
De qualquer forma, quem tem a pouca sorte de ser atingido ou de ter algum familiar doente com cancro, não deve desistir. Há muitos casos de cura, muitos, muitos.
Envio-lhe um abraço, corajosa Bárbara Helena.
A minha experiência neste sentido acabou há dois meses, com a morte da minha mãe. Também ela se entregou a Deus, mas, o que mais custa superar, como a Helena refere, é o sofrimento destes entes queridos e, aquela revolta sufocante de não podermos fazer nada para o atenuar.
Tenho reparado que estas tristes vivências nos tornam mais tolerantes, e que nos ensinam a dar uma relativa importância a tudo aquilo que nos acontece, depois... E, sabe uma coisa, dei por mim a repetir muito mais a tal frase: - Quero lá saber!...
Um beijinho para si e obrigada pelos exemplos que me dá.
Sem palavras.
Mais um belíssimo texto.
Muitos parabéns e força.
Um beijinho,
Vânia
Bem aja Helena pelo magnifico filho que Deus levou por ser uma figura publica gostava dele muito antes de saber que a doença o minava tal como a minha filha e ao meu marido os filhos não são nossos mas é muito bom que enquanto fazem a caminhada pela terra sejam as pessoas boas que foram.
Manuela
Minha querida, sei bem o que o sente e reitero tudo o que diz.
Também eu tive o meu pai no IPO, há 19 anos, com um problema oncológico muito grave, que, no espaço de 3 meses, o fez sofrer tanto, que ele próprio dizia "para que era PRECISO SOFRER TANTO PARA MORRER"?. É muito importante, de facto falar sobre o assunto! O meu pai Partiu no espaço de 1 mês, entre ser operado (a 31 de Dezembro) e Partir (a 29 de Janeiro - dia do aniversário do meu marido). Foi duro, muito duro! Mas hoje falo do assunto já sem chorar, não com distanciamento, mas com discernimento... Entende-me,não é, querida Helena?
Lembro-me também da humanidade de todo o pessoal do IPO. Não há palavras para descrever tudo o que fizeram pelo meu pai. Ele próprio dizia que eram umas santas para ele e a equipa dizia-me que nunca tinham tido um doente tão especial,como ser humano, como o meu pai. Era algo, que na altura, me "confortava" a dor imensa... Se é que há alguma coisa que nos possa confortar, nestas alturas!?...
Tornei-me dadora de sangue, nesta altura e, dei várias vezes sangue, no IPO, já depois de o meu pai ter Partido. E o carinho com que me perguntavam, como é que eu estava... Deixei um agradecimento público, no Serviço onde ele esteve e no Hospital e, no dia seguinte ao funeral, fui ao IPO, agradecer pessoalmente a toda a equipa, tudo o que tinham feito pelo meu pai.Lembro-me de como todos ficaram surpresos por eu estar ali, no dia seguinte ao funeral do meu pai, mas continuaram-me a dizer que ele tinha sido um doente muito especial, como ser humano, e que só poderia estar num lugar muito especial (eu também acho e tenho a certeza disso). Isso, apesar de não chegar, à época, era um conforto para a alma...e dava-me imensa tranquilidade, para poder andar em frente... Foi um luto muito duro, que não se deseja a ninguém que passe. Foi mesmo muito duro! Ele era a minha referência, era a minha estrutura, era o meu "tronco"... Partiu com 63 anos, com tantos projetos por cumprir, como o seu filho (muito mais novo)... Mas partiu com dignidade, como o seu filho.
Minha querida, já fiz catarse e partilhei consigo,a minha dor profunda pela perda do meu pai. Obrigada por me permitir fazê-lo através do seu blog.
Um abraço e um beijo com muito afeto e gratidão!
Bem haja!
Maria (seg.int.)
Passo agora por uma situação semelhante com a minha avó com Cancro. Faz-me confusão a perda de dignidade da pessoa humana e como tão rapidamente se transforma uma pessoa numa qualquer restia de posiçao fetal pesada à vista... Como se lida com estas coisas era uma pergunta que eu gostava de ver respondida...
Este seu pequeno gesto, descrevendo as doenças de sua Mãe e seu Filho, e como as encarou, estou certo que ajudará os Familiares daqueles que tenham sido atingidos por esta doença. Mas é certo que somente quem viveu esse drama, lhe encontra a dimensão exata.
Abraço
Todos os olhos a pressentiam quando chegava.
Havia um íman de estrela em cada gesto, um "estou aqui" que não era incómodo mas vaidoso, divertido, de bem com a vida.
Uma tese de doutoramento sobre a poesia inglesa da Idade média obrigou-a a abrir caminhos e veredas insondáveis, a aprender a escrever uma língua arcaica. Orgulhosa e feliz com o seu trabalho que estava praticamente concluido. Uma nova cadeira da Católica esperava por ela para ser iniciada. Um lugar no Ministério da Educação por onde passara e a queriam de volta.Uma família feliz. Uma casa nova, com a sua cara, que ainda decorava...Há momentos na vida em que parece nada de mal poder acontecer...Cinquenta e poucos anos e um medo "terrível"(quase doentio de envelhecer...
Não envelheceu. Foram catorze meses de luta e muito muito sofrimento.
Naquela semana de Março de 2007 perdi a minha única irmã...e vi nascer a minha primeira neta.
A vida dá e tira...sempre foi assim.
Não passou um dia que não a lembrasse porque ainda hoje dentro de mim...não "aceitei".
Resta-me passar por lá de vez em quando,contar-lhe as novidades e dividir as flores que levo em duas partes iguais.
A seu lado, repousa Sofia de Mello Bryner.
Quero acreditar que em noites de luar
trocarão poemas, como fazíamos quando éramos crianças.
Ainda te amo Carmo.
"O que todos mais tememos é o sofrimento."
tal e qual...e como compreendo tão bem o que escreveu!
Um abraço
AH!!!
É verdade, já me esquecia e é importante:
Feliz dia dos Avós.
Vânia
Helena
Adorei o seu texto, mas o último parágrafo tocou-me particularmente, porque é mesmo assim: uns entregam-se a Deus e outros entregam-se a nós. Fez-me lembrar Saramago , no final de Memorial...
É preciso falar destas coisas sim, Helena, para não nos esquecermos que elas existem e porque estes são os assuntos que tentamos evitar tantas vezes, por pudor ou por uma infinidade de razões que às vezes nem sabemos bem quais são.
E ainda que o medo seja incontornável, partilhá-lo é também uma forma de o mitigar.
Um grande beijinho
Isabel Mouzinho
Queria Helena,
Na minha família (bastante extensa) e entre amigos, esta doença maldita já nos bateu à porta várias vezes. A minha mãe morreu com pouco mais de 30 anos e, felizmente, o cancro hoje é encarado de forma bem diferente daquele tempo (final dos anos 80), pela sociedade e pelas equipas médicas. Sou da mesma opinião; é muito importante falar, debater, alertar, cuidar,...
Um grande beijinho e bom fim-de-semana*
Cara Helena,
Mais um belíssimo texto sobre um tema que hoje, felizmente, já se fala abertamente. Um doente oncológico ao lê-lo sentirá de uma forma diferente.
Sempre com amizade.
Querida Helena,
Como dizia a minha avó "Que Nosso Senhor nos livre a todos de tamanha doença".
Beijinho,
Isabel BP
A 'velha senhora' diz-se-me muito sensibilizada, como médica, com os textos e comentários sobre o IPO e o cancro, e encantada, como leitora, com a qualidade de escrita de alguns deles:
belo texto, ana vidal!
tenho eu, médica, presente
sempre quem 'stá no hospital
do outro lado - o do doente.
ai de nós se isso esquecemos,
que perdemos leme e remos!
SrªDrªHelena,deixo aos seus amores,senhora sua mãe * e seu filho *,o seu infante,que Deus tem,uma Oração e rosas brancas.
Para si,rosas chá e um livro - Não há Longe Nem Distância -(Richard Bach)e que Deus a ilumine sempre.
Aos seus netos,e restantes filhos,um filme - Dragonfly - e que tenham força e equilíbrio para prosseguir o seu caminho.
Matumbo Feliz Kifala
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