quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A espera

É um hospital onde o silêncio impera. Os corredores impecáveis de limpeza são aqui e ali atravessados por uma enfermeira. As duas portas do quarto só se abrem carregando sucessivamente em dois botões.
Que tem o que todos os quartos de hospital têm. Mas este tem um excesso de vidro e de assepsia. E uns aparelhos digitais ligados ao doente. 
No aposento uma mulher aguarda a segunda intervenção do paciente, que ela sabe poder ser fatal. Na cama articulada está aquele que amanhã, daqui a uma hora, daqui a instantes pode já não estar vivo. E que há apenas dois meses lhe dissera que a amava.
Só nestas alturas de perigo imenso é que nos damos conta daquilo que temos. 
Com Joana não era assim. Ela sempre soubera a importância do que estava na iminência de perder. Por isso, é que ao olhar aquele corpo quase inerte, via o que nele já não estava, o apogeu físico que ela tão bem conhecera nos seus braços. De que ele, com ternura e humor, sempre se havia vangloriado. E que era real.
Pelos seus olhos passaram imagens de praias, jardins, risos, encontros, temores, prazeres. Jamais discussões, medos, ou inseguranças. Aos seus olhos passaram as imagens da vida de quem está perante a morte. Do amor de quem está prestes a perde-lo. Da espera que separa o ontem do amanhã.

HSC

18 comentários:

Um Jeito Manso disse...

Tão triste que isso é, Helena. Todos os finais são horríveis mas os que se fazem anunciar com alguma antecedência ainda são piores, acho eu.

Perante situações assim, não há palavras de consolo, pois não?

Helena Sacadura Cabral disse...

Não há de facto palavras. Há, para muitos, uma serenidade que advém de se ter tido sempre consciência do valor daquilo que se tinha e se pode perder num minuto.
A dor, cara Jeitinho Manso, também pode ser terrivelmente serena...

Brown Eyes disse...

Muito intenso de facto.

Dói!

Helena Oneto disse...

Minha querida Helena,
Ha mulheres que surpreendem pela coragem e persistência em suplantar as piores vicissitudes que a vida lhes reserva.
A fé ajuda e o amor conforta.
Um grande abraço amigo e solidario!

Teresa Peralta disse...


Já lhe disse que me identifico, normalmente, com aquilo que escreve? É verdade!...
Para mim, a "Grande Dor" é, quase sempre, serena, interiorizada, consciente, madura, pacifica...
Ai de quem não chora!... Demora, muito mais, a atenuar, a mesma.

Um grande abraço

Hélia Cruz disse...

Cara Helena,

A vida só tem verdadeiramente sentido quando confrontada com a morte ou pela possível perda de alguém que amamos. Ainda há outra hipótese é quando se tem uma vida a prazo, Em qualquer das situações, a experiência de vida leva-nos a relativizar e alterar a nossa agenda de prioridades. O tempo é o bem mais precioso que deve ser inteiramente partilhado com quem nos realmente ama e estima. Há pequenos prazeres como um lindo pôr de sol ou um passeio á beira mar que de actos banais passam a ter um prazer indescritível.
Sempre com amizade.

Alcipe disse...

WQ

Alcipe disse...

What thou lovest well remains

Alcipe disse...

The rest is dross

Alcipe disse...

Ezra Pound

Anónimo disse...

A minha avo pedia-nos que fizessemos as pazes, quando havia uma briga na fanilia, pois podia ser a ultima vez que nos veriamos vivos.

CNS disse...

Esse tempo de espera é o instante que separa o sabemos e o que esperamos acontecer. Os tempos verbais conjugam-se todos num só, como se o passado passasse apenas a fazer sentido no que dizemos que vamos fazer depois. Quando sabemos que o depois deixou de ser futuro.
Tocou-me muito, este seu texto. Muito.

Anónimo disse...

Já vivi um final anunciado, quando o meu querido pai adoeceu. Que triste é ver "desaparecer" todos os dias um bocadinho quem amamos!

FL

Carla Santos Alves disse...

A Helena tem poder da palavra, da emoção...faz-me rir ou chorar...hoje fez-me chorar.
Perder quem amamos é uma agonia constante disfarçada de qualquer coisa...é um adormecimento de uma parte de nós....:(

Beijinho Helena.

Isabel Mouzinho disse...

E quando não há palavras só o silêncio e o afecto fazem sentido. Subscrevo, na íntegra, o que diz a Helena Oneto.

Para si, um terno e doce beijo.
Isabel Mouzinho

Alcipe disse...

Desculpe o meu comentário ter ido aos soluços... Problemas técnicos! Toda a nossa solidariedade amiga

Paulo Abreu e Lima disse...

A iminência da perca desperta porventura a lembrança das melhores imagens e o som da mais consciente das serenidades. Em havendo Fé. Sempre.

Beijinhos Amigos,
paulo

Anónimo disse...

como o sofrimento aguça a sua alma e a levam a descrever tão magnificamente a dor de outro!
todo o carinho,
lb/zia