Desprezámos a riqueza das emoções:
Terceira meditação do P.Tolentino de Mendonça ao Papa ( síntese)
O poeta e teólogo português
apontou, sob o título «dei-me conta de estar com sede», a predisposição de alma
e os instrumentos necessários para interpretar o desejo de Deus que está em
nós, a contemplá-lo e a educá-lo para valorizar a espiritualidade da sede.
Neste contexto, o biblista sublinhou que «entrar em contacto com a própria sede
não é uma operação fácil, mas se não o fazemos a vida espiritual perde adesão à
nossa realidade».
Tomar consciência da nossa sede
Temos por isso de perder o medo de reconhecer a nossa sede e a
nossa secura. Como primeira ação, o P. Tolentino exortou a não se
intelectualizar demasiadamente a fé:
«Construímos um fenomenal castelo de abstrações. Não é por acaso
que a teologia dos últimos séculos se deteve tanto tempo a debater as questões
levantadas pelo Iluminismo e se tenha afastado das colocadas, por exemplo, pelo
Romantismo, como as da identidade, coletiva e pessoal, do emergir do sujeito ou
do mal de viver.
Estamos mais preocupados com a credibilidade racional da
experiência da fé do que com a sua credibilidade existencial, antropológica e
afetiva. Ocupamo-nos mais da razão do que do sentimento. Deixamos para trás das
costas a riqueza do nosso mundo emocional».
O ser humano é uma «mistura de muitas componentes emocionais,
psicológicas e espirituais, e de todas devemos ganhar consciência». Assim como
a vida espiritual não é prefabricada mas está «envolvida na radical
singularidade de cada sujeito».
Falar da sede é falar da existência real, e não da ficção de nós
mesmos à que tantas vezes nos adaptamos, é iluminar uma experiência, mais do
que um conceito. Por isso é preciso sacudir o torpor quotidiano porque «pode
acontecer que tenhamos a maior dificuldade até mesmo de admitir que estamos com
sede». Um dos requisitos para receber a água da vida é reconhecermo-nos com
sede.
Interpretar a sede
Depois de tomar consciência da própria sede, é preciso interpretar
esta necessidade que existe em nós. O P. Tolentino evidenciou que nesta fase
deve distinguir-se o desejo de uma mera necessidade, que se aplaca e se
satisfaz com a posse de um objeto:
«Não confundamos o desejo com as necessidades. O desejo é uma falta
nunca completamente satisfeita, é uma tensão, uma ferida sempre aberta, uma
interminável exposição à alteridade. O desejo é uma aspiração que nos
transcende e que não determina, como a necessidade, um termo e um fim. A
necessidade é uma carência contingente do sujeito. O infinito do desejo é
desejo de infinito».
«O desejo humano diferencia-se do desejo dos animais», e ser
humano significa «sentir que a existência depende deste reconhecimento mais do
que qualquer outra coisa». Este anseio é mortificado nas sociedades
capitalistas, que exploram avidamente as conpulsões de satisfação de
necessidade induzida, removendo a sede e o desejo tipicamente humanos.
Na prática, o discurso capitalista promete libertar o desejo das
inibições da lei e da moral em nome de uma satisfação ilimitada. E quando isto
se verifica, «o prazer, a paixão, a alegria a esgotarem-se num consumismo
desenfreado, tanto de objetos como de pessoas», chega-se à extinção da sede, à
agonia do desejo. A vida perde o seu horizonte.
A sede de
Deus
«Como o veado anseia pela água.» O P. Tolentino referiu-se ao
Salmo 42 para realçar a busca para saciar a sede de Deus. Se se contempla o
mundo com amor, descobre-se que «é todo o Criado a ser atravessado por este
desejo visceral».
O primeiro diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura
apelou à valorização da espiritualidade da sede, mais que as estruturas:
«Talvez precisemos de redescobrir o desejo, a sua itinerância e abertura, em
vez das codificações em que tudo está previsto, estabelecido, garantido. A
experiência do desejo não é um título de propriedade ou forma de possessão; é
antes uma condição de mendicidade. O crente é um mendigo de misericórdia».
A concluir, o P. Tolentino dirigiu-se em particular aos pastores,
chamando-os à reconciliação com a sua vulnerabilidade, e recordou a advertência
do papa Francisco: «Uma das piores tentações é a auto-suficiência e a
auto-referencialidade». Ao contrário, abraçar a própria vulnerabilidade e
aceder ao desejo de ser reconhecido e tocado como o leproso que foi ter com
Jesus (cf. Mateus 8, 3), como a sogra de Pedro na cama com a febre (cf. Mateus
8, 15), como a mulher que há 12 anos sofria de hemorragias (cf. Mateus 9, 20),
como aqueles que gritavam «Filho de David, tem piedade de nós!»
(Mateus 8, 27).
Marco Guerra
In Vatican News
Trad. / edição: SNPC
In Vatican News
Trad. / edição: SNPC
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