Contra a depressão é preciso mais que comprimidos:
Quarta meditação do P.
Tolentino Mendonça ao Papa (síntese)
A acédia, estado de apatia, desânimo,
fraqueza, tristeza e melancolia, é o contrário da sede e do desejo de vida: foi
este o tema que esteve no centro da meditação proposta na manhã desta
quarta-feira pelo P. José Tolentino Mendonça durante os exercícios espirituais
da Quaresma que o papa Francisco e membros da Cúria Romana estão a realizar em
Ariccia, a 30 km do Vaticano.
«Quando renunciamos à sede, então
começamos a morrer. Quando desistimos de desejar, de encontrar gosto nos
encontros, nas conversa, nos intercâmbios, na saída de nós mesmos, nos
projetos, nos trabalhos, na própria oração», apontou o poeta e biblista
português na sua quarta reflexão.
Este desânimo que atinge a relação com
Deus tem outros sintomas: «Quando diminui a nossa curiosidade pelo outro, a
nossa abertura ao inédito, e tudo nos soa como um requentado “déjà vu” que
consideramos como um peso inútil, incongruente e absurdo, que nos esmaga».
Parece que a vida que «eu vivo» é a de
outra pessoa, recordava Kierkegaard (séc. XIX), enquanto que Evágrio Pôntico
(séc. IV) falava do «demónio da acédia» e S. João Cassiano (sécs. IV-V)
recordava as consequências na vida dos monges: uma insatisfação profunda que
leva à perda do entusiasmo.
A própria exortação apostólica “Evangelii
gaudium”, sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual, do papa Francisco,
adverte para os efeitos nefastos da «psicologia do túmulo», «que pouco a pouco
transforma os cristãos em múmias de museu» e pode conduzir «a uma tristeza
melosa, sem esperança, que se apodera do coração como o mais precioso elixir do
demónio».
Os estados depressivos não se curam só com
comprimidos
A contemporaneidade «medicalizou a acédia,
enfrentando-a como uma patologia que deve ser tratada do ponto de vista
psiquiátrico». «Mesmo dentro de um quadro clínico, é evidente que a acédia ou
os estados depressivos» não se podem curar só com «pastilhas», mas «devem
envolver na cura a pessoa inteira».
«Há muitos sofrimentos ocultos cuja origem
devemos descobrir que se radica no mistério da solidão humana», e nesse
contexto pertencem também ao domínio do itinerário espiritual, defendeu o
vice-reitor da Universidade Católica.
O “burnout”: Um esgotamento emocional
Há também outro problema que «se amplia
cada vez mais», o “burnout”, que literalmente significa “queimar-se”, um
esgotamento emocional que pode atingir inclusivamente os sacerdotes.
Em geral, quando uma pessoa se sente
abandonada, permanece apenas um vazio, que se enche com angústia ou com falsos
paliativos, como a mundanidade, o álcool, as redes sociais, o consumismo ou a
hiperatividade. Há quem traga as feridas de lutas ou fracassos, do abandono ou
abusos quando eram crianças, da pobreza económica, da guerra.
Jonas, Jacob e o jovem rico
São três as figuras que podem fazer
compreender esta dinâmica. Na história de Jonas vê-se como o diálogo entre
surdos é muitas vezes o que caracteriza a nossa relação com Deus, na qual não
se ouve porque se está «relutante ao conteúdo da vontade de Deus», à lógica da
sua misericórdia.
Jacob, ao contrário, lutou com Deus até ao
amanhecer: há nele um desejo de vida, enquanto que Jonas é «caprichoso», colide
com o desejo de vida de Deus, que quer introduzir todos os seres humanos numa
relação existencial nova.
A tristeza ligada à acédia recorda também
a do jovem rico, que obedecia a todos os mandamentos mas na hora decisiva
prefere os seus bens, em vez da aventura aberta de viver na confiança. «Não é
raro que a nossa tristeza provenha desta incapacidade», afirmou o P. Tolentino
Mendonça.
Urge fazer um exame sobre a desvitalização
do desejo: nem sempre o problema é o excesso de atividade, mas o não ter as
motivações adequadas.
Amar como Jesus
A resposta à acédia está em Jesus. O laço
com Ele passa necessariamente pela configuração na Paixão. Na palavra da esposa
do Apocalipse, «vem», revela-se a necessidade profunda que a Igreja experimenta
em relação à vinda do Espírito, como destacava também Simone Weil.
«Nesta palavra está a marca de tudo aquilo
de que temos necessidade, a razão do nosso grito, a razão da nossa esperança e,
muitas vezes, a razão da nossa desesperança, do nosso fracasso, do nosso
cansaço, e a necessidade de superar tudo isto em Deus.
Aquele a quem dizemos “vem!” é o mesmo que
nos diz: «Vinde a mim, vós todos que estais cansados e oprimidos, e eu vos
darei alívio. Tomai o meu jugo sobre vós e aprendei de mim”», assinalou o P.
Tolentino Mendonça.
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