sábado, 30 de abril de 2016

Morreu Paulo Varela Gomes


"...Todavia, não houve um único dia em que não tenha pensado na morte. Nem um. Ao princípio não receei mas também não compreendi essa Senhora de Negro e, portanto, ofereci-lhe de bandeja as inúmeras oportunidades que, demoníaca, busca dentro de nós para nos fazer a vida num inferno ou para nos levar. É verdade que a vontade de viver teve desde sempre mais poder sobre mim do que a desistência perante a morte ou a ida ao seu encontro -- já não estaria aqui se assim não fora".

Estas são palavras do Professor Paulo Varela Gomes, ao tempo já em luta contra um cancro que há quatro anos lhe aparecera. Escritor, historiador de arquitectura e crítico, vai fazer muita falta a todos quantos o apreciavam e ao próprio país.
A primeira vez que ouvi falar no apelido Varela Gomes foi ao meu saudoso amigo Sérgio Sabido Ferreira, médico que o operou, a quando do golpe de Beja, sob forte fiscalização militar. Não o conhecia de lado nenhum. Fê-lo porque era um homem de carácter e um médico que jurara salvar vidas. 
Depois havia de ouvir falar da amizade que se teceu entre o seu filho Paulo e o meu filho Miguel. Viveram algumas perigosas aventuras juntas e uma delas foi a constituição do MAESL - Movimento dos Estudantes do Ensino Secundário- que deu origem à detenção de cerca de 150 estudantes, entre eles Portas e Varela Gomes.
Nessa ocasião, um energúmeno da PIDE havia de me telefonar às 11h da noite dizendo-me que o meu filho estava detido - tinha 13 anos - tendo-me invectivado de tudo e mais alguma coisa, antes de me dizer que o fosse buscar. Lá encontraria a mãe Varela Gomes e uma centena de pais a aguardar a saída dos filhos. O nosso encontro foi surreal, eu furiosa de ele me não ter avisado, ela orgulhosa da detenção, a dar-me lições de política. Finalmente o Miguel apareceria de cabeça rapada já por volta das 3 da madrugada. Se encontrasse, de novo, o homem que lhe fez aquilo, teria o prazer de o descompor. Isto se não me chegasse a ele para o esbofetear. E eu era uma mulher de mão pesada...
O tempo havia de me tornar sua admiradora, mesmo quando não concordava com ele. Julgo que se terá tornado católico no fim da sua vida. Mas o que me leva a admirá-lo mais ainda, foi a dura luta que travou contra essa malvada doença que também levou o Miguel. Adoeceram em tempo próximo e o Paulo subirá ao céu a tempo de celebrar o dia do aniversário do amigo, que é amanhã!

HSC

Hoje há  oestadodaarte.blogspot.com

4 comentários:

  1. Helena,
    a dor é negra, sempre negra como o breu.
    Você consegue misturar, em suas palavras a revolta e a emoção pura.

    um abraço amigo

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  2. Do pai, Coronel Varela Gomes, recordo-o bem. Era capitão e ficou gravemente ferido aquando ao fracassado assalto ao Quartel de Beja, na madrugada de 1 de janeiro de 1962. Penso que ainda seja vivo e imagino o seu sofrimento perante a tragédia de perder um filho.

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  3. Helena
    Pela reflexão de Paulo Varela, vejo que lutou sempre contra a senhora de negro. Existem lutas duras mas ganhas, outras perdessem.
    Permita-me que conte uma história de um colega meu do ginásio.
    Há 10 anos foi diagnosticado cancro na cabeça, deram-lhe 6 meses de vida, perdeu o andar/falar. Os pais ainda pensaram ir a Cuba, foram desmotivados a fazê-lo. Recorreram às medicinas alternativas.
    Hoje passados 10 anos é um dos melhores do cycling, nas aulas é o mentor de muita gente, canta, sorri muito, faz-me rir. A doença do Imanuel permanece, mas ele vive o agora. Muitas vezes por dou por mim a contemplá-lo, o seu sorriso imane energia.
    Conheço a história do seu filho Miguel, com 13 anos um adolescente já mostrava a sua garra, a determinação do que queria. Há personalidades muito fortes, o Miguel já tinha a dele. Gostava, simpatizava com os ideais do seu filho. Bem hajam, os que lutam por os mais desfavorecidos.

    Carla

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