segunda-feira, 6 de abril de 2015

Página de um diário (4)

Aveiro, 1 de Abril de 2015

Apareceu-me sem ser esperada, como é seu hábito quando se encontra aflita. Atabalhoada, contou-me que o Francisco, seu ex-marido, queria voltar para casa, ao fim de cinco anos de total ausência física ou apoio material. Ela estava indecisa e eu fiquei estupefacta perante a sua indecisão.
Lembrei-lhe os dez anos em que, sem falhas, ela me ia contando as aventuras maritais, as mentiras sucessivas, os abusos financeiros, enfim, as faltas de respeito. Lembrei-lhe as razões que a tinham levado a divorciar-se e a serenidade que depois parecia ter encontrado.
Ela não me ouvia, seduzida que estava pelo fado do “quero voltar para casa, é de ti que afinal gosto”. Recordei-lhe que cinco anos era tempo demais para chegar a uma tal decisão, mas percebi que ela não queria um conselho, queria apenas que eu a ouvisse.
Horas depois, quando já me preparava para jantar, bateram-me à porta. Julguei que fosse ela de novo. Enganei-me.
Era o Francisco com a última namorada conhecida. Devo ter feito cara de grande espanto, porque ele se desculpou de me não ter avisado antes da sua vinda.
Mas vinha por uma boa causa: gostava que eu fosse madrinha do seu futuro casamento...

HSC

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