segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Contemplação

"A contemplação não é uma sabedoria onde nos instalamos: é antes uma forma de exposição desarmada do olhar, uma colocação sem reservas, uma aprendizagem sempre a ser refeita, um depojamento dos porquês".

Este é o penúltimo parágrafo da crónica desta semana do Padre Tolentino de Mendonça, na revista do Expresso. Curiosamente ela vem ao encontro de um tema sobre o qual me tenho debruçado nos últimos tempos, que é o da necessidade do silêncio dentro de nós. Este pode vir da meditação, da contemplação ou até do desejo pontual de vazio.
Apesar dos dois primeiros estádios serem, muitas vezes, atribuidos a uma busca de espiritualidade, eles são cada vez mais uma necessidade do ser humano para quem o espiritual não está necessariamente ligado a uma prática religiosa.
Se a meditação me tem acompanhado, com mais ou menos intensidade, ao longo da vida, a contemplação foi uma descoberta recente, de há uma meia duzia de anos. Dito de outra forma, ela existia em mim há muito tempo, mas a descoberta da sua real importância só aconteceu muito depois.
Com efeito, anos de casamento com um arquitecto para quem os volumes e as cores eram vitais, haviam-me ensinado a "olhar" para o mundo que me rodeava de forma mais atenta. Mas não me educaram para o mais importante - que vem muito bem sintetizado na frase que transcrevi de Tolentino de Mendonça -, e que é uma outra forma de conhecimento, despojado, de nós próprios e do mundo que nos cerca.
Quanto mais cresço - e todos continuamos a crescer até morrer - mais consciência tenho de que precisamos ter, no caos do dia a dia, como contra ponto dos momentos reflexivos, uns instantes de pura contemplação porque, sem eles, a vida torna-se algo muito pouco suportável.

HSC   

10 comentários:

  1. Num dia em que vivo uma tremenda angustia, agradeço as suas palavras porque vêm ao encontro do que "sinto em mim", só me podem dar força.
    boa noite

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  2. Completamente de acordo. Os instantes de pura contemplação são(nos) fundamentais. E gosto muito da maneira como o Padre Tolentino de Mendonça os define: "o despojamento dos porquês" e a "exposição desarmada do olhar" é uma magnífica formulação. Nunca tinha pensado nisto nestes termos.

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  3. Cara Dra. Helena: é exactamente essa a contemplação a que me referi, no dia 09 de Agosto 8:57, no comentário ao seu artigo "À velocidade do som". Só o Padre Tolentino de Mendonça, com a sua sábia linguagem, é capaz de escreve um parágrafo como aquele. Excelente!!! Obrigada Dra. Helena por nos dar a conhecer pessoas tão ricas (estas sim, são mesmo ricas!).

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  4. Exercito-a também há algum tempo como forma de terapia. Ao contrário do que muita gente pensa, não é uma forma de alheamento. O seu exercício requer (ia dizer obriga) uma espécie de reset onde nada são dados adquiridos. É como se tudo fosse uma primeira vez e assim reeducamos todos os nossos sentidos e pensamentos.

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  5. Bom dia Helena!
    Preciosa e lúdica a frase do padre Tolentino. São pessoas como o Padre Tolentino, Freud,Jung,Nietzsche e Coimbra de Matos que nos fazem pensar, ajudam crescer. Só depois de um desgosto aprendemos a relativizar certas coisas e a descobrir outras, que antes nos passavam despercebidas.
    Hoje passados 31 meses da minha perda sou totalmente diferente, aprendi a complementar, faz-me sentir leve, isenta de pensamentos.
    Comtemplação é ficar perdida no espaço e tempo.
    No sábado num velório, falei com uma amiga que perdeu o seu filho com 40 anos, de forma repentina com embolia pulmonar.
    Há 5 anos que vive num sofrimento atroz, chora todos os dias, passa dias em camisa de noite sem vontade de nada, há 5 anos que é acompanhada por uma psicóloga, era crente e ficou revoltada, deixou de acreditar na vida além da morte, dei-lhe alguns conselhos mas creio que em vão... A perda de um filho é insuperável, acredito se ela tivesse a sorte de falar consigo certamente ia-lhe fazer bem, da próxima vez que estiver com ela, vou levar este artigo seu
    " Adeus 2012", a sua catarse tal como a minha é a leitura.

    "O que não provoca minha morte faz com que eu me torne mais forte".
    Nietzsche

    Carla

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  6. Sempre fui contemplativa.

    Aos 7 anos , diziam os meus pais, fiquei durante uma hora a olhar o Vale do Vouga da varanda da Pousada do Serém e não queria ir-me embora, de tal modo estava fascinada. Sou capaz de contemplar vezes sem conta as árvores do Campo Alegre, que emolduram a minha grande janela e sinto-me bem, só a olhar para o verde ou a vê-las agitar com o vento. O mesmo acontece com o mar, nunca levo livros para a praia, prefiro ouvir música clássica ou o barulho das ondas e simplesmente olhar....

    Sem isso, penso que dava em doida....as vozes, o barulho e o bulício enervam-me....

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  7. Dra Helena,Cada post seu é um bálsamo para os porquês de cada dia.
    As suas reflexões e a partilha da sua contemplação sobre o mundo e as pessoas ajudam-me a (re)situar-me e a entender que a sabedoria só se ganha com o tempo e a capacidade de nos contemplarmos também a nós próprios. Obrigada por ser como é e por ajudar outras mulheres a pensarem melhor. Um beijinho.

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  8. Menina! Assim sentada a olhar o mar, em que "pensaides"? Fiquei curioso!
    Zeca

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  9. oh! chamo à contemplação um descanso através do olhar despido de mundo, como se os olhos me valessem o corpo todo ou ele se evole neles, se isso é possível.

    Uma leveza necessária, concordo.

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  10. Gostei do que li!!! http://www.ionline.pt/artigos/portugal/nuno-portas-ao-i-miguel-morreu-nao-me-interesso-politica

    Carla

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