segunda-feira, 21 de julho de 2014

O som do silêncio...


Nunca tinha reparado que o silêncio tinha som, até que numa determinada noite percebi que ele existia mesmo. Tinha 30 anos e o meu marido acabava de levar os últimos livros da nossa casa. Tudo o resto, já havia saído.
Para lhe dar inteira liberdade, jantei fora com uma amiga e depois fomos ao cinema. Como se a vida prosseguisse sem qualquer alteração. Era assim que eu havia desejado que fosse.
Retornei ao lar - lar não, porque afinal havia deixado de o ser - ou, antes, a minha casa cerca da 01:30 da manhã. Enquanto o elevador subia, senti que aquela seria a primeira das muitas noites dos anos que se iriam seguir, e que era fundamental que não chorasse, que me não sentisse impotente para o que o futuro me reservasse. Tinha dois filhos e era neles que, naquela ocasião, eu tinha de pensar. Não em mim ou nas minhas dores.
Meti a chave à porta e entrei numa casa em total silêncio. Não fui sequer ao quarto dos crianças. Não fui capaz. Entrei directa na sala e desabei - é o termo - sobre o sofá. 
À minha frente, a janela rasgada mostrava pequenas luzes luxuriantes de uma Lisboa adormecida, em que um ou outro lar era, ainda, visível. Dentro da minha cabeça, a pergunta que me assaltava, ia-se, a escassos intervalos, sempre repetindo "será que serei capaz de conduzir sozinha este barco?".
Foi então que me apercebi que o silêncio da noite continha pequenos ruídos, dos quais, durante 10 anos, jamais me havia dado conta. Quase imperceptíveis ao ouvido comum, mas definidos e precisos, para quem, como eu, estava com os sentidos afinadíssimos.
Não chorei, de facto, mas fiquei ali, quieta, perdida, horas. Eram 6 da manhã quando, sentindo o corpo dormente, me levantei e fui espreitar os filhos que dormiam tranquilos.
Tomei um duche quente e deixei que a água me lavasse a alma. Passaram quase cinquenta anos e eu nunca mais esqueci o som do silêncio. Em especial daquele que veio, talvez, quem sabe, de dentro de mim!


HSC

23 comentários:

  1. Além do som, o silêncio tem palavras, tem perguntas mas não tem respostas.
    Abraços,sei o que digo

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  2. A expressão "som do silêncio" traz-me sempre de volta a canção de Simon e Garfunkel "The sound of silence", que tanto marcou a minha adolescência.
    A sua "canção", Helena, é mais um bonito e interessantíssimo post, daqueles que nos deixam encantados. E que fazem pensar...

    Um beijinho :)

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  3. Lindo post, Helena.

    Também já senti o mesmo, ainda que em proporções e por causas diferentes.
    O silêncio total não existe, embora por vezes nas noites de verão lá na "minha" praia, me pareça que nem o mar faz ruído...
    Ainda bem que daqui oiço os autocarros e carros a descer o Campo Alegre, imagino as pessoas e elas, sem saberem fazem-me companhia...

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  4. "Passaram 50 anos..." A Helena refere que tinha 31.... Isso quer dizer que tem 81????????? Nao, não pode ser... Nao está aqui qualquer coisa errada?????
    Quanto ao post e ao "barulho do silêncio", bem, outra maravilha das suas, daquelas a que nos já habituou!!!
    Um beijinho, Helena!!!

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  5. Não Paula, não tenho. Ainda vou nos setentas e vários. Mas arredondei os números. Ia fazer 31 e tinham passado quase 50, mais exactamente, 48. A diferença como vê não é grande.
    Nunca escondi a idade e por vezes até me esqueço dela. Nunca fiz plásticas e gostarei muito de chegar aos 80, com a cabecinha e o corpinho que tenho!:-))

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  6. Boa tarde Drª Helena!
    Esses Silêncios que menciona devem ser muito difíceis de suportar, mas devo referir-lhe outros que a meu ver, são os silêncios de quem vive "acompanhado Sozinho"...penso, que preferia ser invadida pelo primeiro...pois sabia que só contava verdadeiramente comigo...
    Beijinhos! de muita admiração!

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  7. Boa tarde Helena!!
    Estou de volta e com saudades de a ler!!
    Nas férias visitei uma feira do livro passaram-me pelas mãos alguns livros seus, gostei tanto do que li!!
    Não comprei, simplesmente porque tenho alguns em casa por ler , neste momento estou a ler 3, 2 de psicologia e 1 romance, os de psicologia ajudam-me a compreender o meu papel na psica. o papel do profissional, o romance a sonhar...
    Parece um cliché, mas o seu post diz-me tanto...já pensou no silêncio acompanhada?
    Creio que esse é bem pior...existe um ruído silencioso
    que nos deixa vazios com falta de algo...o afecto como fiz no seu livro é o mais importante de tudo, sentir o calor humano... por isso a psica. cura muitos males temos um objecto que nos valoriza , ao mesmo tempo ajuda-nos a pensar, a descobrir novos horizontes... cabe a nós escolher o caminho.
    Obrigada Helena por partilhar o seu silêncio, os seus pensamentos tão intímos que no fundo são os de muitos leitores...
    Admiro-a tanto, não me canso de dizê-lo!!

    Carla

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  8. É-me tão precioso o som do silêncio que nem sei o que dizer agora.
    Por vezes, bem careço dele, mesmo tendo toda a família.
    Só assim me concentro.

    Melhores cumprimentos.

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  9. Maria (publicamente anónima)
    Boa tarde Dr.ª Helena!
    Que lindo post! Os seus textos ajudam-me imenso. Fico sempre mais rica quando a leio. Seja pelo lado da sua muito boa disposição (até fico a ouvir a sua gargalhada), seja pelo lado mais sentimental (que também nos ensina, com a sua experiência, a vencer adversidades). Este ajudou-me a ler com mais precisão o “som do silêncio”. Recordando situações que passei, tem toda a razão, “o silêncio tem sons” por vezes difíceis de suportar. Sei do que fala. Penso que isso se deve ao facto de eu passar muito tempo sozinha. Mas a primeira vez que o “som do silêncio” me tocou perfumadamente também tinha trinta e poucos anos, mas por motivos diferentes dos seus. Assumi a responsabilidade de criar dois filhos sozinha, por motivo de força maior, (viuvez). Nessa fase senti muitas vezes esse “som do silêncio” e o peso da responsabilidade. Também me interroguei muitas vezes se seria capaz de conduzir sozinha este barco. Não foi nada fácil. Hoje, muitos anos passados, olho para traz e posso dizer que, apesar de algumas dificuldades e de muitos silêncios ensurdecedores, correu bem. Sempre dedicada aos filhos e ao meu trabalho, com a ajuda de alguma força divina, levei o barco a bom porto.
    Obrigada por tudo o que nos ensina com a sua experiência e a partilha que faz dela.
    Beijinhos
    Maria M

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  10. Tão pessoal...
    Obrigada por partilhar.
    Isa David

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  11. um dia escrevi um poema que diz assim :

    "o silêncio deixa eco "

    e por vezes acho que sim que o silêncio tem som.

    :)

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  12. Como sempre, um belo texto.
    Sei do que fala.
    Tinha 40 anos quando percebi o silêncio . Os dois anos seguintes, os anos que durou a vida do meu marido, foram de um silêncio aterrador, como uma premonição de solidão inexorável . Que chegou, sorrateira e avassaladora.
    O tal silêncio dura até hoje... 10 anos depois.

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  13. Querida Helena, mais do que um texto magnifico é a sua maneira de Sentir que extravasa as boas e intensas emoções. Acredito que os sentimentos mais do que inactos são fruto de uma experiencia e aprendizagem constante. Se não tivesse sido assim, talvez não chegasse ao Ser maravilhoso que todos nós respeitamos e admiramos.
    Pela parte que me toca agradeço a Deus ter atravessado o meu caminho e, mais do que tudo, na hora certa...
    Um abraço muito grande

    (E, não venha depois dizer que tem muitos defeitos porque a balança é que mede as proporções...)

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  14. Desculpe-me se lhe parece exagero, mas gosto tanto de si! Mesmo não a conhecendo pessoalmente, faz parte de mim. Venho vê-la todos os dias! Uma vez mais, grata pela sua partilha. Desejo, do coração, que tenhas muitos momentos de felicidade.

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  15. Desde há nove meses para cá o som do "meu" silêncio é a respiração da minha filha em uníssono com a do meu companheiro, e é o melhor som do mundo... Até dou por mim a lutar contra o sono para o ouvir mais um bocadinho...
    Tudo de bom para si e um grande obrigada por nos propircionar tão belos momentos de leitura.

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  16. Momentos de silêncio e silêncio quente - Tão bom !

    Jonavigator

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  17. A propósito do silêncio, apetece-me lembrar uma amiga que faleceu há anos. Contava 86 anos e teimava em seguir em frente, mas sempre em silêncio. Não significa isto ser amorfo, nem indiferente, mas muito pelo contrário assumir uma atitude que sem ruídos consiga fazer-se ouvir.
    É extraordinário que num mundo tão cheio de gritarias, de estrondos, de confusão e de vozes sem sentido, alguém seja lembrado pelo seu silêncio. Quer dizer que percorreu um caminho e sem alardes, sem alaridos, sempre calada ouviu-se a sua vontade: tão só a de estar presente, perto dos outros.
    Emociona porquanto a sua postura falou mais alto, quase gritou e foi essa força que a levou a gestos voluntários, a abraçar causas difíceis: visitar a prisão, estar com os pobres, com os ciganos. Afinal abraçou os mais desfavorecidos, levou-lhes conforto.
    Esteve lá. Sempre silenciosamente.

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  18. Sentido e bonito texto, Helena.

    (Mesmo que estivesse numa boîte - era assim que se chamava à altura -, sentiria sempre o som do silêncio. Porque, como muito bem diz, veio de dentro de si.)

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  19. O silêncio tem sons maravilhosos. Permite-nos ouvir coisas que não conseguiriamos ouvir de outra forma. Mas por vezes, também pode ser ensurdecedor.

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  20. Gostei imenso do que escreveu e como escreveu.

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  21. PO

    Brilhante, Srª. Dona Helena!

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  22. Ola D Helena é por estes e outros escritos que eu tenho quase todos os seus livros, fantástica esta descrição do silêncio e naquele dia o seu silêncio era libertador, certamente, mas mais uma vez lhe digo como eu gostava de ter a sua força e o seu dominio emocional nas horas dificeis que todos temos.

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