quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Um medo singular

Seja por que razão seja, recebo muitas cartas sobre casos pessoais. A sua reunião, sociologicamente tratada, permitiria fazer um retrato importante de algumas classes sociais neste país. Às vezes fico com o coração tão apertado que preciso parar a sua leitura. 

Esta situação começou no Diário de Lisboa, jornal onde iniciei o meu caminho de cronista. Continuou, depois, nas varias publicações por onde passei, incluindo a televisão, e tem-se mantido apesar de neste momento apenas me dedicar ao estudo da Economia e à escrita de livros.          

Os temas abordados são, por norma, pessoais. Mas de há, talvez, dois anos para cá, começaram a ser mais analíticos, tentando enquadrar os problemas sentidos, nas questões sociais do país. Sempre me tocou muito este tipo de confiança - felizmente nunca recebi nenhuma carta que me tratasse mal - porque era revelador que algumas das minhas mensagens chegavam mesmo às pessoas.

Porque é que falo disto? Porque, curiosamente, nos meses mais recentes, sinto nessas pessoas uma atroz ansiedade por poderem vir a ter o virus, mas acompanhada de uma espécie de temor relativo ao que lhes poder acontecer, a alguma coisa incontrolável e a que a sociedade - toda ela dedicada ao Covid - não consiga responder. A ideia com que fico é a de que as pessoas temem ter qualquer outra doença e não terem quem as trate. E dão-me exemplos de graves de sintomas que deviam ser tratados e que o não são porque essas pessoas se sentirem desamparadas e com medo dos hospitais e Centros de Saude.

É muito claro par mim, que fiz psicanálise, o que isto pode significar. O medo não identificado é muito compreensível nesta altura. E as autoridades ligadas à saude, irão defrontar-se não só com as doenças não tratadas que possam ter-se desenvolvido, mas também, com uma população que está a necessitar muito de apoio psicológico.

Nós não somos, creio, um país com elevada taxa de suicídios. Este sol, que faz a nossa alegria, deve contribuir para que isso aconteça. Mas, com confinamentos intermitentes, com juízos que nos colocam como os melhores e depois os piores da Europa, com responsáveis que têm opiniões díspares e com uma sociedade que saiu de umas eleições presidenciais e se prepara para umas autárquicas, o clima anímico varia da doença, à politica e ao futebol, tudo questões de natureza emotiva, que não ajudam nada do ponto de vista psicológico.

Ninguém sabe como e quando isto vai acabar. Ou se chega a acabar. Eu considero-me uma pessoa resiliente por educação e formação. Mas, não só o meu tempo será curto, como ao longo da minha existência, tentei preparar uma velhice que fosse a compensação do muito que trabalhei. Resultado, chego ao fim do caminho enclausurada em casa, a ver desaparecer os amigos e com um conceito de liberdade muito limitado. Diria que me sinto aprisionada.

Impõe-se que aguente e não ceda, Mas preciso de sentir que as medidas a que estou a dar estrito cumprimento, são as certas para o meu país e o bem estar de todos os portugueses. As dúvidas que nos assombram é que dão cabo de nós!

HSC

15 comentários:

  1. Que remédio temos nós senão aguentar! E com um sorriso nos lábios!

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  2. Dra Helena com o devido respeito que a Senhora me merece, e parafraseando uma canção brasileira digo "aceita que doi menos". Cuide-se que a situação está complicada. Um forte abraço de consideração e carinho

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  3. Noto isso em familiares.
    Adiam vezes sem conta consultas médicas porque têm medo de contágios.
    Podendo com esse comportamento piorar outras patologias já existentes.

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  4. A dúvida é a base da ciência.

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  5. Prezada Senhora Dra. Helena S. Cabral:

    Estou completamente de aconcordo com o seu texto. Nada poderia adicionar um texto/artigo melhor que a senhora, a este contexto fatídico que todos atravessamos atualmente. Até começo a acreditar que existem mecanismos sócio-políticos, económicos “externos/internos” que pretendem afundar a economia portuguesa e todos os portugueses ou quantos vivem e investiram em Portugal (!?). Creo mesmo, que o medo e esperança começaram a lutar para ocupar o mesmo espaço na vida dos nossos cidadaos:)- Seja para a uma presente autodefesa ou mesmo para condicionamento fisio-pscicologico futuro.

    A sociedade portuguesa não é imbécil, covarde, cúmplice ou indolente congénita, como alguns individuos pensam, todo o contrário. É uma sociedade vítima de um dano traicionamente bem esquematizado e planeado, para a deixar sem capacidade de raciocínio e sentido comum pautativamente viável. A modestia e tolerância tornou-se, como se sabe, em nos últimos tempos, uma questão de muito pouco uso; da mesma forma, trançar uma discussão produtiva que incentiva e fortalece a discordância fértil tornou-se pouco menos que uma extravagância aluciante.

    ... um vírus que abalou todas as estruturas, econômicas, governamentais, sociais e familiares por todo o mundo, sem execao de nada e ninguem. Tecer falsas incongruentes conjeturas, não é mais que uma válvula de escape, cinismo falso manejo no discurso de "alguns políticos internos e externos e/ou semelhante context e aprobios". Eles são alentados a construir um oxímoro absolutamente incompatível com a catástrofe derivada de uma inobservância elementar da política econômica europeia/global; a que leva construir sermoes sobre uma nação sem mecanismos de pagamento e com um defice acelador condenável insertacao manipolatoria de poderes; até me da impressão de que, das esferas governamentais internas e/ou externas, querem devastar nossa economia produtiva, levando à falência de empresas e de autônomos, fazendo com que todos os que vivam, sobrevivam ou “sub-vivam'' sejam subsidiados, pelo Estado e conduzindo-os a maior carga tributaria, emprestimos bancarios, divida pessoal e interpessoal, etc., abismal (...)!

    Desejo-lhe felicidades, e envio-lhe "abraços virtuais".

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  6. 'Qual o tamanho ou que grandes eram os testículos dos 'tiranossauros' ao nascer'?
    ... isto mais de 70 milhões de anos. Eu tão pouco sei! Nao era nacida na epoca.

    Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros, creo que nao se referiu aos TIRANOSsauros:-Jorge, in 'Animal Farm, a fairy story' publicada em 1945, quando descreveu-a e criou-a como uma alegoria que recolhe-sintetiza, a experiência da consciência do Calvário do espírito da sociedade contemporânea, da qual transbordamos hoje! Agora fala-se muito sobre a possibilidade de deixar o mundo um deserto e tornar a vida impossível de viver para nossos ancendentes, descendentes e para nós mesmos. Quem vier depois de nos, deixem-nos dirigir a escassa caotica sobrevivencia. Sempre que um formigueiro é pateado, há sobreviventes enfurecidos; mas a verdade é que carregamos a invenção com tantos vírus e seus mutantes ou transmutantes, que extinção alfa, agora vai terminar por ameaçar um omega de quarto dos anfíbios e mamíferos mentais.

    MorgadinhadosCanaviais

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  7. Um côncavo vazio se establecerá em muitas cabeças, já propícias a hospedá-lo, e também em outras nao tao propicias (...)!
    A divulgação de falsas notícias nunca curou doentes imaginários, pois os seus males são reais e a - realidade é a mais respeitável de todas as Messelinas do mundo, mesmo se todos nós a desrespeitarmos.
    Enquanto isto, as ruas e becos, e vielas das nossas cidades e vilas, ate mesmo aldeia portuguesas (-estas, ja albergam poucos residentes, o luto foi mais forte que o recolhemento obrigatorio), estão cheios de pré-desempregados, pré-aposentados; e outros tantos mais, os quais ja esqueceram a cor da sua reforma e subsdio de fundo de desemprego: Eles o substituíram por uma raiva surda, mas perfeitamente audível "NÃO MAIS".

    ...os governantes e outros afins, vão amenizar o luto de muitos com suas retoricas frasas, e/ou falsas teorias. Continuam a trabalhar entre milionários que simulam faltas organicas nao-virais; alguns dos quais se especializam em cuspir à distância na sobrancelha do rival/oponente, mas também e em português (fazem turismo ibrido, algures em ilha nao identificadas 'teletrabalho' - 'turismo algures é mais saudavel e rentável''), albergando a todo criterio audicional a midia internacional em multi-subafirmações, sobre o comportamento sexual das nossas mães: —'chamar a todos portugueses filhos de uma grande Messalina' em outras palabras, por contribuirmos para a nova propagação de um novo vírus 'mutante agressivo' nao identificavel. Permitindo a entrada em nosso território nacional a vírus estranhos, mutantes não codificados e altamente penetraveis e perigosos, proviente de paises lusofanos e outros (?!)-. Estes viajeiros tambem frequentam outros aeroportos, sem nunca entrarem em solo portugues 'entenda-se de uma boa vez e por todas.'Denegrir a alguem ou a um todo é fácil. Construir é o mais difícil, senhores/(as) midias ou representantes destes meios 'massas' audio-comunicativos.

    (...), juízos inqualificaveis, os quias nos colocam os piores da Europa, sem nocao, pautas justificadas, ou representacoes absoletas no que afirmam: Juízos em que o predicado faz partda pouca compreensão do sujeito, isto é, nos quais se afirma (ou nega) uma relação de identidade conflitiva, total ou parcial, entre o sujeito e o predicado por este(s) e o nulo da acao. Goethe disse em su epoca: ''O homem vê no mundo o que carrega no coração! Ah, que diferença entre o juízo que fazemos de nós e o que fazemos dos outros! As pessoas tendem a colocar palavras onde faltam idéias. Se todos limparem a calçada, a rua ficará mais limpa.''

    -acrescento a este: 'Se todos limparem a calçada na frente da sua casa, e os espelhos da entrada da mesma. As ruas de todas as cidades ficariam mais limpas. O mundo inteiro estaria brilhantemente limpo, e livre de contaminacao.

    P.S.-Mais uma vez, fico imensamente grata a Sra.Dra. Dna. Helena Sacadura Cabral, por este aporte 'profundo e veridico.
    Observacao necessaria para todos quantos a leem, e nao so!
    Um cordial abraco visual.

    MorgadinhadosCanaviais

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  8. Drª Helena diz que se sente aprisionada. Eu sinto o mesmo e costumo dizer que, de um dia para o outro, todos passamos a "prisão domiciliária". Só não precisamos de pulseira. Realmente temos e devemos aguentar. O pior é as dúvidas e as incertezas, nomeadamente, como e quando vamos sair daqui. Ninguém sabe. Nem quando acaba nem como nos vamos reinventar. Que pessoas e que país temos no fim desta "guerra". Uma "guerra" sem armas mas muito perigosa. Sem dúvida que o mundo nunca mais vai ser o mesmo. Depende muito da resiliência de cada um e do tempo que demora a reinventar-se. Neste momento há muitas pessoas a sofrer com os medos, a solidão e o isolamento. Não é muito o meu caso, apesar de não gostar muito de estar "presa" por obrigação, gosto de estar em casa e invento sempre tarefas que me dão prazer. Depois de uma carreira de quase 50 anos a trabalhar muito e muitas horas fora de casa, hoje sabe bem estar por aqui sem horários, sem obrigações, a ouvir os silêncios da minha casa. O pior mesmo é ver o estado a que chegámos e a incerteza do futuro. Principalmente para os mais jovens!
    Tenha uma boa tarde. Mais uma vez obrigada pela partilha.
    Maria

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  9. Quando falta a bateria no nosso tm, recarregamos, temos de aprender a fazer o mesmo conosco.

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  10. Na história da humanidade o MEDO foi sempre importante para nos protegermos de situações de risco.

    Só quando se torna extremo, uma FOBIA, e nos impede de vivermos o nosso dia a dia, é que é preocupante.

    Quanto ao MEDO é importante fazer o que faz aqui- não negar o MEDO, falar sobre isso, escrever sobre isso, falarmos com alguém sobre isso, e focarmo-nos nos aspetos positivos da nossa vida, que são muitos.

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  11. Dois humoristas encontram-se (isto foi antes da pandemia). Já não se viam há muito tempo e um deles pergunta: - o que é que tens feito, por onde tens andado?
    - Olha cheguei agora mesmo do Haiti
    - Ah então apanhaste o terramoto
    - Sim, sim
    - Eh deves ter tido muito medo
    - Eu não, quem tremia como varas verdes era a terra!

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  12. Faço do meu Lar o meu Templo e é tão bom sentir esta paz e serenidade.
    A uma Alma livre nada a aprisiona.E num Lar/Templo há tanto com que alimentar a mente...
    Somos o que pensamos,o que fazemos,o que sentimos e partilhamos.
    José

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  13. «O Elogio da Dúvida»
    de Victoria Camps

    « Aprender a duvidar implica por em questão os lugares comuns e os preconceitos, questionar o inquestionável. Num tempo de extremismos, antagonismos e confrontações, urge antepor a DÚVIDA às reações viscerais, aproveitadas pelos movimentos populistas para fazer crer que há soluções simples e definitivas para os problemas com que nos deparamos, por mais complexos que sejam».

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  14. The future is faster than we think.

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