sábado, 24 de fevereiro de 2018

Igreja: As bem aventuranças (29)


«A minha sede é a minha bem-aventurança»: Décima e última meditação do P. Tolentino Mendonça ao Papa.
As bem-aventuranças e o estilo de vida dos crentes e da Igreja estiveram no centro da meditação com que na manhã desta sexta-feira o P. José Tolentino Mendonça concluiu os exercícios espirituais para o papa e a Cúria Romana.
As bem-aventuranças, chamamento existencial
Nesta décima meditação, o biblista vincou que as bem-aventuranças são mais do que uma lei, representando uma «configuração da vida», um «verdadeiro chamamento existencial».
Elas traçam «a arte de ser aqui e agora», ao mesmo tempo que apontam para o «horizonte da plenitude escatológica», ou seja, o tempo eterno após a morte, para o qual convergimos.
Por outro lado, as bem-aventuranças são igualmente o «auto-retrato de Jesus mais exato e fascinante», a chave da sua vida, «pobre em espírito, manso e misericordioso, sedento e homem de paz, com fome de justiça e com a capacidade de acolher todos».
As bem-aventuranças são «a imagem de si próprio que Ele incessantemente nos revela e imprime nos nossos corações. Mas são também o seu retrato que nos deve servir de modelo no processo de transformação do nosso próprio rosto, no qual devemos aprofundar a “imagem e semelhança” espirituais que liga cada dia o nosso destino ao destino de Jesus», sublinhou o poeta e ensaísta.
 Não a um cristianismo de sobrevivência
A sede de Deus é fazer com que «a vida das suas criaturas seja uma vida de bem-aventurança». Como? Resgatando as nossas vidas com um «amor» e uma «confiança» incondicionais. É este o seu «método», é esta a «bem-aventurança» que nos salva. É este «espanto do amor que nos faz começar de novo», esta «sede» que nos consegue arrancar do «exílio a que fizemos aportar a nossa vida».
«Por isso não nos basta um cristianismo de sobrevivência, nem um catolicismo de manutenção. Um verdadeiro crente, uma comunidade crente, não pode viver só de manutenção: precisa de uma alma jovem e enamorada, que se alimenta da alegria da procura e da descoberta, que arrisca a hospitalidade da Palavra de Deus na vida concreta, que parte ao encontro dos irmãos no presente e no futuro, que vive no diálogo confiante e oculto da oração», apontou o P. Tolentino Mendonça.
É urgente «redescobrir a bem-aventurança da sede»: a pior coisa para um crente é «estar saciado de Deus». Pelo contrário, felizes aqueles que «têm fome e sede de Deus»: a experiência da fé, com efeito, «não serve para resolver a sede», mas para «dilatar o nosso desejo de Deus, para intensificar a nossa procura. Precisamos, talvez, de nos reconciliar mais vezes com a nossa sede, repetindo a nós próprios: “A minha sede é a minha bem-aventurança”».
 A Igreja como Maria: escuta, honestidade, serviço
Foi ainda à Igreja que o primeiro diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura se dirigiu na última parte da meditação, dedicada à «bem-aventurança» de Maria, mestra e modelo dos católicos a caminho
É importante não olhar para a bem-aventurança de Maria em «chave abstrata», mas «real e concreta». O seu diálogo com Deus, no momento em que o anjo lhe anuncia que Deus lhe propõe ser mãe do seu Filho, «é franco», não deixa de fora emoções, surpresas e dúvidas, até à confiança incondicional e ao seu sim. Deus salva-nos não «apesar de nós, mas com tudo aquilo que nós somos», e isso faz-nos «enfrentar a vida com renovada confiança».
O estilo mariano deve ser o modelo inspirador do viver: Maria acolhedora, que escuta e está «aberta à vida»; Maria «honesta» na sua relação com Deus; Maria «ao serviço» de um projeto maior. Sem Maria, concluiu o P. Tolentino Mendonça, a Igreja arrisca «desumanizar-se», tornar-se «funcionalista», uma «fábrica febril incapaz de parar».

Após a reflexão, Francisco agradeceu ao sacerdote português a pregação no retiro quaresmal que desde domingo decorreu em Ariccia, a cerca de 30 km do Vaticano (vídeo no fim do artigo).
A Igreja é chamada a abrir-se «sem medos, sem rigidez», a ser suave «no Espírito» e não mumificada em «estruturas que a fecham», afirmou o Papa ao agradecer pessoalmente ao P. Tolentino Mendonça.
O pontífice expressou o seu agrado pelo facto de o pregador ter falado da Igreja como um «pequeno rebanho», que, todavia, não pode ficar ainda mais pequeno com «mundanidades burocráticas».
Para Francisco, a Igreja, «não é uma gaiola para o Espírito Santo», porque este «também voa do lado de fora e trabalha» nos «não crentes, nos “pagãos”, nas pessoas de outras confissões religiosas», dado que Ele é «universal, é o Espírito de Deus, que é para todos».

Gabriella Ceraso/Vatican News
Barbara Castelli/Vatican News 
Trad. / edição: SNPC 

4 comentários:

  1. Ando «perdida», no domínio espiritual... Fiz um percurso inverso ao da Helena. A Helena foi batizada já adulta. Eu estive, «desde que nasci», sempre ligada à Igreja, incluindo fazer toda a catequese, crisma, ser catequista, grupo de jovens católico, casamento... com o tempo... fui deixando de acreditar... (Percursos diferentes, os nossos!) No entanto, não há dia nenhum em que não deseje ser contrariada neste meu sentimento. Pode-lhe parecer estranho, mas adorava voltar a ter Fé.Neste momento, já só acredito na bondade e no trabalho daqueles que se entregam a ajudar o próximo, independentemente do seu credo. Gosto imenso do Papa Francisco, tal como admiro alguns Padres que conheço, alguns meus amigos. Li com atenção as reflexões do Padre Tolentino, mas vou acabar como comecei: ando «perdida», no domínio espiritual...
    «Vê» o incrível?! Também tenho «fé» em si. Não a conheço pessoalmente, mas gosto de si. Vejo Deus nas pessoas boas.

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  2. Sandra
    Tenho dito e escrito inúmeras vezes: peço para ter fé. Não nasci com ela. Mas norteio-me por ela. Todos duvidamos. Até o Filho quando clamou " Pai porque me abandonaste?".
    Não se importe dessa sua "descrença". Um dia vai perceber que ela foi necessária para algo que está para chegar sem aviso prévio.
    Acredite nas palavras. Já é muito, porque quem se perde sempre se encontra!
    Abraço

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  3. Guardo as suas palavras no meu coração. Nem imagina o bem que me fazem. Como disse, quero mesmo voltar a encontrar-me com Deus.

    Abraço-a.

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