domingo, 4 de dezembro de 2016

LX 80, um livro a não perder


Pode-se falar da alma de um país de diversas formas. Uma – e, a meu ver, das mais originais – é percorrer ruas, bairros, músicas, modas, ícones – e trazer para os livros os factos que a História, como disciplina, não contempla. Todavia, são eles que contam a outra face, a da “estória viva” de uma sociedade, que ainda tem pessoas capazes de recordar as memórias dessas três décadas.
É o que faz Joana Stichini Vilela, uma jornalista nascida nos anos oitenta. Curiosamente foi nessa época que eu renasci, pelo que a data marca para ambas um começo de vida. Ela porque via a luz do dia. Eu porque, finalmente, iniciava a minha verdadeira vida. Só esta circunstância bastaria para que aqui falasse do seu ultimo livro -  "LX80 - Lisboa entra numa nova era" -, que completa a trilogia aberta com os anos 60 em que se recorda  a vida na capital naquela década, muito marcada pelo consumismo e pelas noites  do Bairro Alto.
Jornalista de formação a autora criou uma colecção de livros que recordam a vida na capital portuguesa nas três últimas décadas: depois de Lx60 e de Lx70, surgiu agora o terceiro, a que acima me refiro.
Em 1980 Joana era uma criança cujas memórias mais marcantes recordam a canção do Vitinho que, na altura anunciava a hora de deitar. Ao contrário, eu recordo a Lambada, ritmo que veio do Brasil na mesma ocasião. E ambas, por motivos diferentes, recordamos as idas ao Centro Comercial das Amoreiras, inaugurado em 1985 
A Joana Vilela, pareceu óbvio, depois do livro dos anos 60, continuar com a década seguinte e "naturalmente" chegar aos anos 80. Fazia, de facto, todo o sentido juntar estas três décadas, que apesar de bastante diferentes, em conjunto, constituem um bloco. 
Mas para atingir os seus objectivos também era importante retratar os anos 80 e para tal juntou-se a Pedro Fernandes, o designer gráfico que a acompanha nesta aventura e que cresceu na mesma época.
Se os anos 60 foram a década da ideologia (e de sonhar com um país diferente) e os anos 70 foram marcados pela revolução de Abril (a política estava em todo o lado), esta década de 80 é aquela em que as pessoas querem uma normalidade, procuram recuperar o atraso perdido. 
À medida que se avança na década percebe-se como, não havendo nada, existia essa urgência de trazer tudo para cá, como uma rampa ascendente. É um tempo marcado pela abertura ao mundo - a entrada na CEE em 1985 foi um momento decisivo - e pelo dinheiro, a bolsa, o consumo, os excessos. 
Sentia-se uma grande urgência. Havia uma crescente efervescência, uma profunda sensação de que tudo era possível. É uma atitude que se estende aos jornais, ao cinema, à rádio, às bebidas e aos artistas. Surge alguém como António Variações, que hoje se tornou um ícone da verdadeira música popular de qualidade. 
Foi também a época da D. Branca, a banqueira do povo, que seria condenada a 10 anos de prisão. E de outras coisas menos boas. É que nesta Lisboa dos anos 80 havia prédios em ruínas, o Chiado ficou reduzido a cinzas, a heroína circulava pela cidade e  a Sida começou a fazer parte dos noticiários. Houve também o rapto de um bébé acabado de nascer no hospital, e viveu-se um período de medo de que tal voltasse a acontecer.
Cada história é contada de uma maneira diferente e com uma ética diversa. No final do livro, que também é o final da década, surge "a campanha mais louca do mundo", a de Marcelo Rebelo de Sousa à Câmara de Lisboa. E com ela, o candidato a banhar-se no Tejo e a conduzir um táxi. Que acabaria por perder as eleições. Mas ninguém suporia, então, o que ainda lhe (nos) iria acontecer em 2016.
Trata-se de um excelente livro que fala de Portugal, falando de Lisboa. E que nos retrata com isenção, não escondendo o que estava mal mas, sobretudo, não esquecendo aquilo que então tanto nos animava. Já é muito raro haver quem o faça!

HSC

5 comentários:

  1. Obrigada pela referência que fez a este livro
    que me parece muito interessante.
    Desejo-lhe um bom domingo, apesar da chuva.
    Os meus cumprimentos.
    Irene Alves

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  2. Deve ser um livro bem interessante. Vou ver e se gostar comprar.

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  3. Dra Helena
    Julgo que a autora tem também um programa de televisão a que já assisti. As suas palavras deixaram-me interessada no livro que parece fazer uma análise bem disposta de anos que atravessei. Vou tentar compra-lo. Não sabe o preço?

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  4. Helena
    Por fim chegou o livro,a sua escrita vai fazer parte dos meus serões.


    Abraço
    Carla

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  5. Fui hoje folhear. Gostei. É,como diz, uma análise sociológica. Vou comprar.

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