terça-feira, 24 de março de 2015

Pais ilegítimos

Há muito tempo, antes da Revolução, existiam duas abomináveis designações na lei portuguesa. Eram os filhos de pai incógnito – a mãe sabe-se sempre quem é – e os filhos ilegítimos. Não é difícil perceber a causa da designação.
Sempre que abordo este tema relembro um caso que se passou comigo num exame. Estávamos numa oral e eu folheava a caderneta de uma aluna que ia interrogar . Buscava simplesmente ver quais as cadeiras que ela já havia terminado e com que classificações.
Faço a primeira pergunta e nada. Esperei e passei a outra questão. De repente a minha examinanda desata num choro convulsivo. Preocupada pedi para saírem todos da sala de exame e fiquei a sós com ela. Depois de algum tempo a chorar e inquirindo o que se passava, acabei por ter eu um choque.
A rapariga era filha ilegítima e tomou o meu folhear da caderneta como sendo uma busca de sua identidade. Fiquei tão varada que nem sabia o que dizer.
Quando eu própria recuperei do espanto, disse-lhe  que os filhos nunca eram ilegítimos. O que existiam, sim, eram “pais ilegítimos”. Isto pareceu serena-la.
Fez exame no dia seguinte e ganhou uns expressivos 17 valores. Ainda hoje sou sua amiga e madrinha de casamento!


HSC

6 comentários:

  1. Nem sempre concordo com o que escreve. É natural.
    Em relação a este postal é impossível não estar totalmente de acordo.
    Poderá haver muitas coisas (e pessoas) ilegítimas. Filhos, nunca.

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  2. Encontrei o seu blog por acaso e fiquei muito alegre. Tenho saudades do seu riso naquela rubrica dos Provedores na SIC que me divertia bastante.
    Estou a gostar imenso dos seus textos.
    Vou sempre voltar.

    Um beijinho

    Maria Isabel Quental

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  3. Bom dia Helena!
    O meu avô, era filho de pai incógnito, era assim que naquele tempo diziam.
    Aos 6 anos já trabalhava, começou a guardar gado, precisamente ovelhas. Toda a vida foi pastor, tudo que conquistou foi à sua custa. Tinha, fama na aldeia de ter dinheiro, mas o principal numca teve, amor de pai, e de mãe que casou com um homem, que com 5 anos não o quiz em casa.Sempre conviveu com os irmãos do dito pai incógnito. É triste e será sempre um trauma para uma criança, ser rejeitada por um pai.Hoje, sei porque tinha uma personalidade reactiva.
    Vejo, que a amizade professora/aluna se prolongou no tempo e foi mais além, ser madrinha de casamento não é para todos, mas sim para uma pessoa significava na nossa vida.

    Carla

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  4. O meu avô tinha 2 filhos fora do casamento. Os netos dele são os únicos primos em 1 grau que tenho...nunca nos relacionámos, aliás só descobri aos 15 anos, quando um deles me chamou prima e eu ão percebi porquê! A meia irmã das minhas tias chamavam-nas de D. e sra Dra!!!!!! Triste! Salva-se a atitude da minha avó, que tendo sabido da situação,obrigou o meu avô a doar terras à mãe dos filhos para sua sobrevivência (o que não desculpa nada, mas....). Ainda hoje não á contactos entre nós mais novos...

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  5. Ilegitima era tal lei!
    Ilegitimo era o tratamento dado a essas crianças!
    Ilegitima era a indiferença dos familiares do pai "incognito"perante essas crianças já tão estigmatizadas pela sociedade!

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  6. sou a "anónimo" de dia 25 às 13:38 e quero emendar um erro de palmatória;: onde se lê "...á contactos entre nós mais novos..." deve-se ler "há contactos entre nós mais novos...". Shame on me!!!!!!

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