quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O Congresso de Braga


"A sombra de José Sócrates perpassou pelo Congresso do PS, em Braga, como um remorso mal emendado. Entre os discursos de evocação e envergonhados silêncios, pouco mais houve. É verdade que António José Seguro fez dois discursos "à Esquerda", mas ele está manietado não só pelos compromissos assumidos com a troika, como pelo historial de concessões, anómalas cumplicidades e cometimentos contrário à sua génese de que o Partido Socialista é fértil e impudico.
Que vai fazer e praticar o novo secretário-geral, que chegou onde chegou pelo laborioso trabalho de casulo e de paciente espera sem afã, como se estivesse de tocaia, ao longo de muitíssimos anos?
Entre o dito e o feito vai a escala que percorre as promessas eufóricas das mentiras desavergonhadas. Temos uma boa dose dessas ausências de ética e de moral. Mas vamos sempre atrás dos cânticos das sereias, como se a nossa experiência democrática nunca se alargasse mais do que o horizonte desejado.
Seguro, dizem-me, está animado pelos princípios que enformam a "Esquerda democrática", expressão cujo rigoroso significado ninguém conhece, e que, aliás, tem servido de pretexto para numerosas malfeitorias. Mas os tais "princípios", até agora, limitaram-se a enunciações de retórica, sem objectivos claros. Não basta criticar o Governo; é necessária uma exigência de generalidade alternativa, apoiada por uma doutrina política e económica no estrito sentido do termo. A construção activa de um projecto que não se cristalize no paradigma do "mercado" parece retirada do pensamento de Seguro, cuja natureza e fundamentos, realmente, se desconhecem.
Como a experiência recente no-lo tem ensinado, o "mercado" não se auto-regula através da harmonia dos interesses, exactamente porque essa harmonia não existe. Os problemas são muito mais complexos e escorregadios do que pensa o actual secretário-geral dos socialistas".


O texto atrás transcrito na íntegra pertence a Baptista Bastos, que eu gosto sempre muito de ler. Mesmo quando não estou de acordo, acabo sempre por descobrir algo de precioso naquilo que escreve.
BB, como é conhecido, pertence a uma cepa de jornalistas hoje já muito rara. Mais do que as ideologias que possa defender, o que nele é mais marcante é a justeza do olhar, sem sem ponta de ódio ou intolerância. Diz o que pensa e pensa o que diz.
Haverá melhor forma de olhar o mundo actual?

HSC

1 comentário:

  1. Não, não há melhor forma e temos que concordar que Eça já o fazia:

    Aproxima-te um pouco de nós, e vê. O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada, os carácteres corrompidos. A práctica da vida tem por única direcção a conveniência. Não há príncipio que não seja desmentido. Não há instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos. Ninguém crê na honestidade dos homens públicos.Alguns agiotas felizes exploram. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias em cada dia. Vivemos todos ao acaso. Perfeita,absoluta indiferença de cima abaixo!Toda a vida espiritual,intelectual,parada. O tédio invadiu todas as almas.A mocidade arrasta-se envelhecida das mesas das secretárias para as mesas dos cafés.A ruína económica cresce,cresce,cresce.As quebras sucedem-se. O pequeno comércio definha. A indústria enfraquece. A sorte dos operários é lamentável. O salário diminui. A renda também diminui. O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo. Neste salve-se quem puder a burguesia proprietária de casas explora o aluguer. A agitagem explora o lucro. A ignorância pesa sobre o povo como uma fatalidade. O número das escolas só por si é dramático. O professor é um empregado de eleições. A população dos campos,vivendo em casebres ignóbeis,sustentando-se de sardinhas e de vinho,trabalhando para o imposto por meio de uma agricultura decadente, puxa uma vida miserável, sacudida pela penhora; a população ignorante, entorpecida, de toda a vitalidade humana conserva únicamente um egoísmo feroz e uma devoção automática. No entanto a intriga política alastra-se. O país vive numa sonolência enfastiada. Apenas a devoção insciente perturba o silêncio da opinião com padre-nossos maquinais. Não é uma existência,é uma expiação. A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências. Diz-se por toda a parte:o país está perdido!Ninguém se ilude.Diz-se nos conselhos de ministros e nas estalagens.E que se faz?Atesta-se,conversando e jogando o voltarete que de norte a sul,no Estado,na economia,no moral,o país está desorganizado-e pede-se conhaque! Assim todas as consciências certificam a podridão;mas todos os temperamentos se dão bem na podridão! (Este texto foi originalmente escrito em 1871,mas caso Eça de Queirós voltasse podia constatar que nada mudou,e que para cúmulo temos uma Nova Desordem Mundial.)

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