terça-feira, 12 de maio de 2020

Ferias idilicas

Muito possivelmente já conhecem o texto que vou publicar. Mas eu recebi-o hoje deu-me um ataque de riso imenso. Aliás, depois de 125 dias confinada creio que até as desgraças acabam por ter um lado cómico que ninguém descobriria a não sermos nós... Aqui vai então o texto:

"Recebi finalmente no dia 29 de setembro o e-mail a confirmar para daí a 4 dias, segunda-feira, a minha reserva para duas pessoas no areal da Figueira da Foz (Praia da Claridade, sector KHR, fila 13, coluna 44). Conseguimos apanhar um “slot” horário jeitoso, das 11:35 às 11:50, e ainda por cima com vista para o mar, olhando por cima da cerca de acrílico, é certo, mas não se pode ter tudo. Como a reserva para o restaurante (avisadamente, comprei um pack em finais de maio, mal sairam as regras da DGS) estava marcada para as 14:05, teríamos ali duas horas para preencher, que nos autorizaram a passar confortavelmente dentro dos nossos carros, sem máscara com janela fechada, ou com máscara se aberta. Como não conseguimos manter a distância de dois metros dentro do carro entre mim e a minha namorada, que não reside comigo, cada um levou a sua viatura. O meu lugar para estacionamento, respeitando a regra de segurança lugar sim lugar não, ficava apenas a 500 metros da praia e o da Martinha (assim quis o destino que se chamasse a minha namorada) a 200. 
Como se pode ver, tudo previsto e excelentemente organizado, ou não fossemos nós considerados pela imprensa europeia como um exemplo de cidadania balnear, e pelo presidente da república como os melhores do mundo. Com grande excitação, logo pela manhã daquele dia limpo e completo telefonei para a Martinha, não se fosse ela esquecer a cópia autenticada do e-mail, atestado de negatividade Covid-19, alcool-gel, máscaras, toalha de praia descartável, luvas e botas de proteção. Chegámos à Figueira da Foz quase à mesma hora, e assim que arrumamos os carros foi só esperar que o segurança nos desse autorização para sair. 
Corremos um para o outro até ficarmos a uns sensuais 2 metros de segurança e piscarmos o olho numa ousada manifestação de paixão. Assim que sentimos o drone a sobrevoar as nossas cabeças foi só acompanhá-lo até aos nossos lugares com separação controlada por webcam. Cerca das 11:40 ouvimos pela instalação sonora a tão ansiada mensagem: “cidadãos com o código de sector KHR, fila 13, coluna 44, podem dirigir-se ao mar, à vossa esquerda, tendo permissão para entrar na água até à cintura, mantendo a etiqueta respiratória e distância de segurança. Dispõem de 7 minutos.”
Ainda hoje nos é difícil esquecer aqueles momentos felizes de liberdade. Só mesmo o almoço, passadas duas horas, se pode comparar em emoção. Como não residimos juntos, tivemos que ficar em mesas separadas, por acaso em salas diferentes, mas os telemóveis e o Skype resolveram tudo a contento, e pudemos saborear umas deliciosas courgettes com cenouras caramelizadas, sem glúten, de produção biológica da horta do restaurante. Divinal. 
Espero que não contem a ninguém, mas ainda nos conseguimos cruzar a caminho do wc e tocar de raspão nas mãos. Às 16 horas já estávamos de regresso a casa. Quase à saída da Figueira passámos por um grupo de 500 pessoas que dançavam ao som de uma banda a tocar musica popular portuguesa. Estupidamente, ainda perguntei a um policia se era algum festival, ao que ele me respondeu: “acha? Não sabe que isso é proibido? Não percebe que é uma atividade política?” Esclarecido e amansado, lá rumei à minha casa e a Martinha à dela.Enfim, um dia memorável. Para o ano há mais!"

Eu que já duvido que volte a ter férias, porque depois desta pandemia outras se seguirão - mais fortes ou mais fracas, consoante o pessimismo ou o otimismo de cada um - ao ler este texto lembrei-me da crítica que os meus filhos me fazem de querer marcar tudo com antecedência. De facto, neste caso não foi famoso!

HSC

16 comentários:

Pedro Coimbra disse...

Bem haja quem tem tanto sentido de humor.
O texto é uma delícia!!!! :)))

Anónimo disse...

Chorei a rir.
Agora para marcar um date vai ser preciso cada um fazer quarentena e testes para poder mostrar os certificados.
E voltámos aos beijinhos volantes, soprados de longe da palma da mão, ou atirados à distânia com as boquinhas franzidas e espetadas, e respectivo som piu-piu.

Anónimo disse...

Um movimento de milhares de pessoas durante o confinamento recriam obras de arte, com o que têm em casa.
Artigo: Obras-primas da pintura em versão caseira
Público/ Ípsilon/ 21 Abril 2020

Anónimo disse...

Impressionante o filme Contágio, de 1911 (há 9 anos!) que passou há dias na Sic.
São assustadoras as semelhanças com a pandemia que vivemos- um vírus desconhecido alastra velozmente com epicentro em Hong Kong, cidades em quarentena, ruas e aeroportos, vazios, contaminação através do toque no rosto (tocamos inconscientemente, no rosto um número elevado de vezes por minuto) e do toque em superfícies, maçanetas, etc, hospitais ultra-lotados, máscaras, viseiras, abertura de milhares de valas comuns para o número exponencial de mortes, fake news, oportunistas querendo fazer fortuna com medicamentos sem eficácia cientificamente comprovada.
O filme conta com um elenco de estrelas como Kate Winslet, Marion Cotillard, Mat Damon, Jude Law, Gwyneth Paltrow mas, na minha opinião, a grande personagem do filme, o grande tema do filme, é o PÂNICO.
E isso dá ao filme um ambiente de terror que, felizmente, não vivemos nesta pandemia do novo Coronavírus.

Anónimo disse...

Muito bom! A brincar, a brincar se dizem as verdades...

Anónimo disse...

Hand Wash Chic- a imagem é envolvida por uma poeira dourada, como em qualquer anúncio de perfumes.
Mask Fashion- tapa-máscaras: máscaras de seda com design, como se de gravatas ou lenços se tratasse! Pode usar uma cirúrgica por baixo. Repare bem nos olhos! Os olhos também transmitem muitos sentimentos e emoções.
Como tem de manter distanciamento, mesmo com máscara, envie fotos, selfies e mistério!
Podemos continuar a seduzir, não é!

Anónimo disse...

Excelente, não há nada como a ironia! Quem escreveu?
A praia nunca foi a minha praia. Em criança ficava em ansiedade com aquele areal ao sol, descampado, escaldante, que queimava os pés, sem uma árvore, uma sombra, um abrigo. O mar deixava-me aflito, quando via os meus irmãos mais velhos, atordoados pelas ondas enormes, nas marés vivas. Chegavam a perder peças de vestuário, digamos assim, pelo temor púdico que então me assaltava, «e se fosse eu».
Vendo que me encolhia com todos os constrangimentos que a situação da praia me causavam, os meus irmãos ainda faziam pior- tiravam-me o chapéu da cabeça, escondiam-me a toalha, os chinelos, a garrafa de água, ocupavam a totalidade da sombra do chapéu espetado na areia, deixando-me de fora, ao sol, ofuscado, com os olhos semi-cerrados, com pele de lagosta, tipo barata tonta, sem conseguir ver, nem ouvir (com o barulho o mar), sem saber onde me sentar ou deitar, ou onde ficar, sem conseguir acalmar.
Chegava a casa em grande exaustão física e psíquica, e nem me passava pela cabeça queixar-me à minha mãe, nem sequer pensava nisso. Ainda hoje prefiro o campo. Mas a praia para muitos portugueses, é uma espécie de paraíso nunca totalmente alcançado, ou está muito vento, ou está frio, ou muito calor, ou calor insuficiente, ou a água está fria, ou a água está quente.
Que curiosidade, como vão os portugueses viver a praia em 2020?
Esta descrição já começa a levantar a ponta o véu!

Anónimo disse...

Não é apenas em desconfinamento que as férias são 'idílicas'. Um dos livros que estou a reler é 'A Praia', uma obra publicada nos anos 40, de C. Pavese que morreu em 1950.
A ação decorre na Riviera da Ligúria, onde uma sociedade mundana e opulenta, se diverte como se tudo fosse um jogo, onde tudo corre com indolência e placidez, entre a praia, o mar, as bebidas, as saídas a pé ou de carro, os convites, os bate-papo, em que o que não é dito, é mais do que aquilo que é dito. Pavese vai lendo nas entrelinhas, com subtileza, os sentimentos reais, a tensão interna, os conflitos latentes daquelas férias 'idílicas'.

Anónimo disse...

O que fazer da mente despenteada e descalça que molhava os pés, que mergulhava, que nadava, que corria na areia? Será ainda compatível com o distancimento social, com a permanente atenção à lavagem e desinfeção das mãos, com a etiqueta, com o uso correto da máscara?

Anónimo disse...

quando li este desabafo, nem sabia se havia de rir, pensei logo nos meus netos, que influência tudo isto vai ter neles, na vida deles.
Os meus netos gémeos com dois e sete meses riem-se quando nos vêm com máscara porque pensam que é uma brincadeira. Ficam comigo não há outra maneira e com 3 anos vão para escola. É impossível a distância entre crianças destas idades e também não interessava, porque eles precisam de estar uns com os outros. As reches e escolas têm de reforçar a desinfeção dos espaços, várias vezes ao dia, e as regras entre os adultos, as educadoras, etcc. Costumava ir com eles para a praia, mas agora estou a pensar ir para jardins e parques maiores, onde haja poucas crianças.

Anónimo disse...

Todas as contribuições artísticas, livros, música, cinema, etc., sobre esta pandemia, ajudam-nos a pensar e a entender melhor tudo o que se tem passado e tudo o que se vai passar.

E se for com humor melhor ainda.

Saiu agora o livro Frente ao Contágio do escritor italiano Paolo Giordano, nascido nos anos 80, que ficou conhecido pelo livro A Solidão dos Números Primos.

P Giordano diz que escreveu este livro porque não quer perder o que esta epidemia nos revela sobre nós mesmos e que o que está a acontecer já não é novo, porque já aconteceu e vai voltar a acontecer.

Anónimo disse...

Amanhã vamos todos acordar com uma pérola no cu, disse o poeta.

Anónimo disse...

Daniel Defoe o autor de 'Robinsoe Crusoé', escreveu 'Um Dicionário do Ano da Peste'em 1722.

Anónimo disse...

Quando o humor desperta a mística do lugar ...começamos a sonhar:

E se as férias "idílicas" do casal contemplassem uma visita ao "Tempo" que passa na Torre do Relógio ,permitissem a massagem dos seus pés nas Salinas, palmilhassem a Praia Pedagógica da Costa de Lavos, cultivassem a leitura dos livros do Gonçalo Cadilhe e do Afonso Cruz, ainda teriam o privilégio de poder retardar os ponteiros da vida fazendo-os retroagir ao tempo pré-pandémico para aprenderem a Arte Xávega e experienciarem a Luz do areal da Claridade através de um cheirinho do Surf No Crowd.
Depois , já no regresso ao Sul ser-lhes-ía atribuído um bonus : uma visita guiada à Exposição patente no CCB intitulada " O Mar é a Nossa Terra" com a curadoria do figueirense Arquitecto Miguel Figueira e de André Tavares.
Pacote completo a custo reduzido havendo sinais notórios que essa Geografia ainda tem muito para desvendar.

Anónimo disse...

Andámos anos a lutar pela libertação da mente e do corpo, e agora temos de ser contidos e disciplinados. Será que o biquíni (batizado nos anos 40, com o nome do atol de Bikini, no Pacífico, onde na mesma época, decorreram testes nucleares) vai continuar a ser um símbolo dessa liberdade? A ideia de biquíni e a de máscara parecem incompatíveis.

Helena Sacadura Cabral disse...

Anónimo das 23:32

Deliciei-me com o seu epicurismo. Embora o meu trajecto não fosse exactamente o mesmo, sorri, porque ambos buscamos o mesmo fim, o prazer. Que é bom e faz bem ao corpo e à alma!