segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Pedro Paixão


"O meu país é um país que não reconhece o verdadeiro valor, não gratifica a excelência, e mal suspeita de alguma coisa original, logo, estranha, esmaga-a. Camões morreu pobre e desolado. Provavelmente sem ter tido sequer a sorte de ter tido um único amigo, como eu tive. O Pessoa, que viveu de quarto em quarto, foi morrer com o fígado trespassado a um hospital com nome de santo francês que está no Bairro Alto e, ao que se diz, a última frase que lhe se ouviu foi em inglês que a disse I do not know what tomorrow will bring, para tirar as dúvidas a quem as tivesse. O Ruy Belo, um magnífico poeta, foi um herói desprezado primeiro pela academia fascista e, depois, pela academia democrática. O Ruy Cinatti, um poeta entre os maiores, enlouqueceu com a revolução dos medíocres e presumidos cravos, que entretanto desapareceram como espécie. Eu só não me deixei esmagar porque não tenho valor algum em particular, nunca tendo chegado a ser o que queria (…)" 
                                          
                                        in “Espécie de Amor”, 2014


O jornal Observador publicou no sábado, dia 16, uma interessante entrevista de Joana Emídio Marques ao escritor Pedro Paixão, homem que tive o prazer de conhecer há já muitos anos.
O Miguel Esteves Cardoso e o Pedro formavam uma dupla de rara qualidade e amizade. Nessa época, ambos representavam o que havia de melhor na juventude cultural e literária de então. Ambos fizeram um jornal e ambos criaram a Massa Cinzenta que foi uma das melhores empresas criativas do seu tempo. Mas os anos passaram, a vida transformou-se, a amizade desfez-se e o dueto acabou. 
Do Miguel vou tendo noticias porque leio o que escreve e porque continuo a ter por essa época da minha vida um especial carinho, nomeadamente, quando nela incluo o terceiro elemento do grupo, o meu querido Carlos Quevedo, o argentino mais português que eu conheço.
Do Pedro as noticias eram mais raras. Hoje, depois de ler a entrevista, percebo melhor porquê. Continua a escrever para ele e sobre ele, mas a publicação não é questão que o preocupe. 
É pena. A sua escrita, da qual tenho bastantes saudades, tinha muita qualidade e, seguramente, influenciou muitos dos jovens autores  hoje com sucesso.
É pena, ainda, que a doença bipolar de que padece, tenda a acentuar esse lado solitário em que vive e de que o texto acima é uma boa imagem. Quando se tem a minha idade e adorando a família, como eu, percebe-se que os amigos, esses raros seres são, para muitos de nós, a presença constante sem a qual a existência se  tornaria muito dura!

HSC

3 comentários:

Silenciosamente ouvindo... disse...


Drª. Helena hoje venho muito especialmente,

desejar-lhe que passe um feliz e Santo Natal,

junto de quem lhe for possível, mas que sejam

momentos de paz.

Os meus cordiais cumprimentos e a m/estima

Irene Alves

Anónimo disse...

Abençoado filho, que há momentos, na TVI, comentou, como ninguém, as eleições de hoje na Catalunha! É tão claro e pedagógico, que só não percebe quem não amar a língua portuguesa. Mesmo quando se trata de esmiuçar detalhes constitucionais.
Sempre a lembrar-me do meu amigo Miguel, seu irmão, que sempre me explicou a excelência da inteligência do irmão.
São dias difíceis estes para a Mãe, o irmão, filhos e toda a família.
Do coração, Vos desejo Saúde e Paz para todos.


Anónimo disse...


Helena
Fui ler a entrevista, como é bom bebermos algumas palavras daquelas que saem da forma mais espontânea, verdadeira sem mascaras, de dizer o que se sente sem pudores de ferir seja quem for. É ele somente ele.
Gostei muito.


Só escreve de verdade quem tem mãos verdadeiras. Não posso estar a aldrabar, nem as outras pessoas, nem a mim próprio.

Mas eu também escrevo sempre a mesma coisa. Sou eu e eu. Só escrevo sobre mim. Porque não teria sobrevivido se não escrevesse. Só assim é que vou sabendo quem sou.

Abraço
Carla