quinta-feira, 30 de abril de 2015

A suspensão da UBER



A Uber é uma empresa tecnológica, com sede nos Estados Unidos da América e que entrou em Portugal em Julho de 2014.
Actualmente disponibilizava dois serviços: o UberBlack e o UberX. O primeiro era considerado o segmento de luxo, porque só funcionava com carros de gama alta, como Audi A6, BMW série 5 ou Mercedes Benz Classe E.
A tarifa base deste serviço era de dois euros, a que se somava 30 cêntimos por minuto e 1,10 euros por quilómetro. No mínimo, uma viagem custava oito euros. Quem quisesse cancelar este serviço, pagava a tarifa mínima do serviço.
O UberX era o serviço low-cost da empresa, que começava com uma tarifa base de um euro, em carros Volkswagen Golf, Opel Astra ou Seat Leon. À tarifa base, acresciam 10 cêntimos por minuto e 65 cêntimos por quilómetro. No mínimo, teria de pagar 2,50 euros pela viagem. Se quisesse cancelar o serviço, pagava a mesma tarifa mínima.
A empresa foi proibida de operar em Portugal e, em menos de 24 horas, milhares de pessoas manifestaram-se contra a decisão.
Pessoalmente gostava de perceber quais as razões que levaram a tal decisão e que grupos de pressão nela estarão interessados, já que só recorria a este serviço quem queria e a qualidade do mesmo era inquestionável. Sobretudo num pais onde o grau de sujidade dos táxis é lamentável, e não sofre a fiscalização sanitária por parte das autoridades que o seu estado derivado do tipo de funcionamento em continuo, justificaria. Nomeadamente face aos preços praticados...

HSC

Nota:  Acabam de me informar que a suspensão da UBER se ficou a dever a uma providencia cautelar movida pelos taxistas. Se assim foi, está tudo explicado... 

segunda-feira, 27 de abril de 2015

Just in time ...



O vice-ministro das Relações Exteriores grego, Euclides Tsakalotos, deverá ser o novo líder da equipe de negociadores com os parceiros europeus já que a atuação do ministro das Finanças, Yanis Varoufakis,  parece estar a leva-lo a perder apoio interno.
O Primeiro-Ministro, Alexis Tsipras, decidiu remodelar a equipa política de negociadores para dar um novo impulso às negociações.
Tsakalotos que tem 55 anos, é professor de economia na universidade de Atenas e, ao contrário de Varoufakis, possui um perfil discreto.
Atenas precisa de chegar a acordo com os parceiros europeus sobre as reformas para o país, para que seja desbloqueada mais uma parcela do empréstimo da UE e do FMI, no valor de 7,2 mil milhões de euros, considerada vital para que possa cumprir as suas obrigações financeiras.
Esta decisão não surpreendeu muito porque a actuação de Varoufakis tem sido objecto de críticas muito duras por parte do Eurogrupo.

HSC

E mais um!


Anunciou-se mais uma candidatura a Belém e pouco ligamos ao assunto. Desta vez é Cândido Ferreira, médico e antigo militante do PS. Já são nove pretendentes, quando ainda estamos a mais de sete meses da eleição. Nem quero pensar no que vão ser os debates televisivos, sobretudo quando precedidos da telenovela das legislativas...
Mas o povo é sereno e tem uma capacidade infinita para ouvir tudo e mais alguma coisa. Se não ganharmos o céu pela vida privada, vamos de certo ganha-lo pela vida colectiva.
E quem é o novo candidato? É o antigo presidente da Federação Distrital de Leiria do PS, tem 66 anos e nasceu em Febres, Cantanhede, distrito de Coimbra. Mas vive em Leiria. Apresentou ontem a sua candidatura na terra onde nasceu.
Em 1974, filiou-se no PS e, dois anos depois, foi mandatário-jovem de Ramalho Eanes, candidato à Presidência da República, tendo-se desvinculado do PS, ao qual voltou em 1982. 
Do currículo consta ainda que terá sido, ainda, director de campanha do Presidente Jorge Sampaio, tendo em 2002 integrado a lista à Assembleia da República do PS por Leiria em lugar não elegível.
Adianta que não se conforma “com mais dez anos de apagamento da vontade de soberania popular e de afastamento dos valores constitucionais”, e explica que o seu programa “é a Constituição da República Portuguesa e o seu aprofundamento tal como ela própria obriga”.
Mas não esquece “como primeira prioridade a reforma dos próprios serviços da Presidência da República, visando uma diminuição drástica de custos do seu funcionamento”.
Ficámos, claro, e mais uma vez, completamente esclarecidos!

HSC

sábado, 25 de abril de 2015

Cravos Silvestres




"Não consigo evitar uma certa estranheza perante as fotografias do dia 25 de Abril de 1974. Por um lado, são fotografias do meu tempo, lembro-me bem desse dia, do que se passou, onde estive, do que fiz. Mas ver depois todos aqueles carros que já não existem, lojas com marcas que já não existem, roupas e cortes de cabelo ridículos ou polícias com fardas esquecidas, faz-me sentir o mesmo tipo de cisão que sinto perante imagens bem presentes na minha consciência mas de tempos que não foram meus, como um comício nazi em 1932 ou a libertação de Paris em Agosto de 1944, cujas figuras aparecem agora como eidola, fantasmas ou espectros, embora tenham sido outrora pessoas de carne e osso.

Se eu me limitar a pensar no dia 25 de Abril, a memória tende a submeter os factos a simples ideias evocativas. Porém, ao ver as imagens, a evidência física dos factos, tudo se altera. Ao projectar-me nelas, acabo por me ver também como um fantasma, tendo assim uma experiência mental tão ficcional como a que terei se me se quiser ver em Paris em 1944, pois embora esteja a ver o meu tempo é também um tempo que não é meu. Eu vejo-me ali, aquelas ruas são minhas, aqueles carros são meus, aquelas roupas são minhas mas essa parte de mim já não é minha, apesar da parte de mim que ali ficou ser tão real e consistente como esta que agora disso se lembra. É estar vivo e ver-me morto, como no sonho do velho professor nos Morangos Silvestres. As fotografias do 25 de Abril de 1974 não passam assim do equivalente histórico de uma natureza-morta (ou still life, para aproveitar a maior riqueza semântica da palavra inglesa), só que em vez de frutos, flores ou caça, temos pessoas, carros, roupas, lojas, todo um mundo que, estando vivo, prepara a sua própria dissolução nas garras de Cronos que tudo devora."

             Jose Ricardo Costa in http://ponteirosparados.blogspot.pt

Este é o texto integral do post que José Ricardo Costa colocou hoje no seu blog Ponteiros Parados. Já por várias vezes aqui citei este blogger cujos textos são sempre de muita qualidade.
Podia ter apenas remetido para o seu espaço, mas sei que há leitores mais preguiçosos e por isso dei-me ao trabalho de o reproduzir.
Esta descrição impressionou-me particularmente, porque senti algo de muito semelhante, quando há pouco olhei as notícias. 

HSC

Um excelente diário


Nunca escreveria um diário, porque julgo não ter uma vida que interesse a alguém que não a mim própria e àqueles que nela gravitam. Todavia, quem ler este blogue, de certo modo acompanha o meu dia a dia. E, por vezes, chego mesmo a pensar que, de alguma forma, ele constitui um diário não do que faço, mas do que penso. Ou seja, uma espécie de peregrinação interior perante o quotidiano que me vai acontecendo.
Vem este intróito a propósito de mais um Diário que Marcello Mathias acaba de publicar e que merece, como os anteriores, uma leitura atenta. Sou uma fã do autor que é um dos nossos melhores diaristas. Ele, sim, pode dar-se a esse luxo porque a riqueza da sua vida justifica amplamente o seu trabalho.
Marcello escreve como vive e essa é uma das características que nele mais me atrai. Há em si uma natural delicadeza/elegância que passa aos outros até na forma como contempla/critica a sociedade em que vivemos. Dou-vos um exemplo, a propósito de televisão e, no caso, do concurso "Os dez maiores portugueses":

"... A televisão selecciona as principais notícias, decide a ordem do dia, dita padrões de comportamento, elege modelos, hierarqiza valores, impõe preconceitos, cria mitos, distingue os méritos de uns em detrimento de outros, e tudo isto em função de critérios eminentemente falíveis. Quem os estabelece? Quem está autorizado a fazê-lo? Em nome de que prioridades e opções, equivalentes a outras tantas formas de discriminação e censura, a começar por tudo aquilo que decide omitir que constitui muitas vezes o essencial da notícia transcrita?"

Este DIÁRIO DA ABUXARDA que abrange o período que vai de 2007 a 2014 é uma longa caminhada de sombras e de luzes, que vão compondo um desenho e traçando um perfil do seu autor que, finalmente, parece encontrar, a partir de certa altura, um viver alheio à urgência de viver, um saborear o tempo, ignorando-o. Nada mais aliciante!

HSC

sexta-feira, 24 de abril de 2015

A 24 de Abril

 
Há três anos, à hora em que escrevo estas linhas, o meu filho Miguel morria, depois de travar uma luta dura contra um cancro do pulmão. No recolhimento que hoje precisei de fazer, passei em revista uma outra luta, a minha, para tentar viver este tempo com a serenidade desejável e a felicidade possível.
Não foi um período fácil. Nem sequer arrisco dizer que a dor da ausência é agora menor, porque ninguém se habitua à morte daqueles que ama. Foi assim com a minha Mãe, foi assim com o meu Pai, foi assim com o meu Filho, foi assim com os que amei e partiram. Direi, apenas, que tentei que os que cá ficaram continuassem a ver-me como um porto de abrigo e não como mais alguém com quem teriam de preocupar-se.
O dia dediquei-o exclusivamente ao Miguel. O jantar e a noite serão dedicados aos que, na família, quiseram juntar-se a mim, não para chorarmos a sua partida, mas para partilharmos o amor que lhe tínhamos.

HSC 

A Prova dos Nove

Ontem, por mero acaso, tive oportunidade de assistir ao Programa "A Prova dos Nove", conduzido por Constança Cunha e Sá, na TVI. O painel de comentadores era composto por Paulo Rangel, Francisco Seixas da Costa e Fernando Rosas. Ignoro, porque me não dedico a ver programas políticos, se este painel é fixo ou móvel.
Quando comecei a ve-lo tratava-se de analisar as propostas do Plano do PS. E, mais uma vez, se perdeu uma boa ocasião para "ouvir" cada um dos intervenientes, porque Fernando Rosas, muito habilmente, tomou conta do recado todo. Ou seja, agarrou a sua mensagem e fe-la passar sem encontrar grandes obstáculos.
Pessoalmente até julgo que algumas das suas críticas mereceriam ser discutidas, mas nem isso aconteceu, porque ele quase não deu a palavra a ninguém. Assim, ficámos a saber o que o BE pensava do programa, mas ficámos sem saber muito bem o que os outros representantes pensavam.
O problema destes debates é quase sempre a moderação. Constança, desta vez, não distribuiu bem o tempo por toda a mesa e Fernando Rosas soube aproveitar-se disso. Do meu ponto de vista teria sido melhor que todos pudessem ter dito ao que iam...

HSC

quinta-feira, 23 de abril de 2015

UMA DÉCADA PARA PORTUGAL


O relatório do PS intitulado “Uma Década para Portugal” tem 95 páginas e impõe ser lido com atenção. Pode discordar-se de tudo. Pode concordar-se com tudo. E pode ter-se uma posição mista como é o meu caso. O que se não pode é ignorar a sua existência ou desvaloriza-lo pelo facto de ter sido elaborado a pedido de um partido político. É uma base programática e merecia uma discussão pública. Era assim que eu gostaria que a política funcionasse em Portugal.
Depois de o ter lido fui procurar na comunicação social e na net o que se dizia sobre o mesmo. Li muito disparate, mas também li e ouvi coisas acertadas. O melhor resumo encontrei-o no blog do Eduardo Pitta (em http://daliteratura.blogspot.pt/) que visito quase sempre com ganho pessoal. Segundo o mesmo, o estudo permite reter a intenção de:

1. Eliminar a sobretaxa do IRS.
2. Repor os salários da Função Pública até 2017.
3. Aumentar os abonos de família.
4. Aumentar os apoios às famílias monoparentais.
5. Abolir o quociente familiar.
6. Reduzir o IVA da restauração para 13%.
7. Reduzir a TSU dos trabalhadores para 9,5% em 2016 / para 8% em 2017 / e para 7% em 2018.
8. Aumentar a TSU dos trabalhadores a partir de 2019, à razão de 0,5% por ano (até regressar, em 2026, aos actuais 11%), para trabalhadores com menos de 60 anos de idade, cuja taxa contributiva corresponda ao escalão máximo.
9. A partir de 2021, ajustar as pensões de reforma a novas regras, que serão aplicadas a partir de 2027. A medida exclui os actuais pensionistas.
10. Agilizar a execução dos fundos comunitários, reforçando os níveis de investimento entre 2016-19.
11. Limitar os contratos a prazo.

Passando do domínio das intenções para algo mais real, devo dizer que a diferença entre o programa do governo e a proposta do PS é, sobretudo, de abordagem. Um encara-a pelo lado da oferta e o outro pelo lado da procura.
E é neste ponto que fiquei um pouco surpreendida, porque me pareceu que a esquerda surge aqui com uma atitude mais liberal do que a direita, o que talvez possa explicar-se pelo tempo de eleições que se avizinham...
É que, salvo abolir a sobretaxa introduzida em 2011, o documento não prevê mexer nas tabelas do IRS. O que prevê, isso sim, é utilizar de forma diferente esta enorme fonte de receitas do Estado.
Ora só a discussão serena e a quantificação destas propostas, é que permitiriam avaliar da sua exequibilidade. Infelizmente não creio que no clima eleitoral que atravessamos, ela venha a ser possível. É pena porque, para salvar Portugal, todos não somos demais!

HSC 

As mulheres e os homens


Admirados? Chocados? Porquê?!
A Esquire é uma revista excelente e este número, com esta capa é uma divagação muitíssimo séria sobre os complexos contornos da condição feminina e masculina, que muitos hoje consideram um tema já arrumado.
Para esses e também para os outros, a sua leitura poderá, entre outras revelações surpreendentes desvendar, por exemplo, que 52% dos homens, quando colocados em condições propícias, se julgam capazes de violação...
Sobre essa enorme dificuldade que é o relacionamento entre homens e mulheres, debruçam-se oito escritores. E fazem-no  com a excelência a que a Esquire sempre  nos habituou.
Há dois dias fiz uma palestra no Âmbito Cultural do Corte Inglês que, de certa forma, abordou este tema. Devo confessar-vos que a leitura de alguns destes textos me deu não só uma informação preciosa, como me permitiu confirmar teses que andavam no meu espírito há muito tempo.
A Esquire e a Monocle são, do meu ponto de vista, revistas de leitura obrigatória!

HSC 

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Ainda a digerir

Surpreendeu-me a rapidez com que tanta gente se pronunciou sobre as medidas do PS. Devo estar a ficar muito diminuída, porque ainda estou a digeri-las e a tentar perceber como algumas - e há propostas que merecem ser analisadas e quantificadas sem preconceitos - poderão ser postas em práctica.
Não há óptica pior para a análise dos problemas económicos do que o enfeudamento ideológico e partidário com que os mesmos são vistos. Nada lhes resiste!

HSC

terça-feira, 21 de abril de 2015

“QUE COISA SÃO AS NUVENS”

1- “Que coisa são as nuvens” será um enunciado de um enigma que se vai decifrar ou será uma pergunta? Eu inclino-me para a última hipótese, pela simples razão de que essa é uma pergunta que me começou a ocorrer com frequência, assim que ultrapassei aquilo a que a curiosa Cloud Apreciation Society, citada por JTM, chama “a ditadura do céu azul”. De facto, tudo tem um tempo, na vida: vivemos todos os anos de juventude real e o de juventude imaginada apenas concentrados no azul – que temos como sinal infalível de beleza, alegria, felicidade. Mas chega uma altura em que começamos a prestar atenção aos tons pardos e mais indefiníveis do cinzento – de que as nuvens são o mais próximo e o mais visível exemplo. Talvez o cinzento antecipe o branco final e definitivo – o insondável branco que tudo apagará para sempre.

Com a idade, fui começando a prestar atenção às nuvens. Comecei a vê-las não apenas como um sinal de chuva, de mau tempo, de férias ou fins-de-semana estragados. Mas também como um sinal de água, de vapor, de leveza, de imponderável: um sinal de vida e da fragilidade da vida.
Dei por mim a 10.000 metros de altitude ou num dia de verão, deitado no sol da areia da praia, de olhos fechados, a contemplar as nuvens e perguntar-me isso mesmo: “que coisa são as nuvens?” Li num romance de um autor francês que há várias espécies e classificações de nuvens e que as suas formas, a sua densidade e o seu deslizar nunca são sem sentido: apenas não estamos preparados para o decifrar. JTM diz que “precisamos do socorro das nuvens, uma turbulência ou uma ruptura de significado na representação habitual do mundo”.De facto, elas são uma ruptura, uma turbulência: no mar, prenunciam o mau tempo a seguir à bonança e metem medo; no ar, quando vamos no ventre de um avião e as vemos avançar sobre nós, compreendemos como é frágil a nossa fragilidade comparada com a delas; mas, vistas de terra, com os pés bem assentes na terra, as nuvens, se bem que pareçam distraídas, jamais são inconsequentes. Basta pensar o que seria a pintura sem elas, o que seriam os pôr-do-sol sem elas, o que seria o céu despido delas.

Não acho, pois, que a escolha, por parte do JTM, deste título para este seu livro de crónicas, seja um acto de diletantismo estético ou um exercício de decifração que por si mesmo convoque a leitura dele. É tão pouco vazio de significado o título quanto as nuvens o são.

Acho até que, literariamente, o JTM vive dentro de uma nuvem. A sua escrita é uma espécie de nuvem – uma que ainda não foi classificada – e de onde ele, sem de modo algum estar desligado do mundo (olha quem!), vê o mundo de mais alto e, portanto, vê mais longe, como se vê quando se observa as coisas de cima. Repito que estamos perante uma pessoa e uma escrita intrinsecamente ligado às coisas terrenas, palpáveis – “incarnado” nelas, como ele diz aspirar a ser e a ser visto. Mas é uma escrita que plana acima dessas coisas, que são o pão e o sal de que quase todos os outros que escrevem se alimentam em exclusivo. A sua escrita não tem, a meu ver, a consistência sólida, evidente e indesmentível das coisas terrenas; mas também não tem a absoluta e imperfeita leveza das coisas etéreas. É uma espécie de cortina entre essas duas dimensões, uma espuma suspensa entre territórios distintos, embora confluentes, uma massa líquida e translúcida (aquilo que transcende a lucidez), e certamente formada por pensamentos dispersos, viagens sem rumo, lugares de abandono sem regresso, ilhas abandonadas, dúvidas sem resposta, seiva, ar respirado, lágrimas. Uma nuvem, pois.

O JTM é, em minha opinião, o melhor colunista do Expresso – isto é, aquele que mais vale a pena ler.
O que mais me seduz na sua leitura semanal não é a exuberante demonstração de uma cultura tão vasta e tão sequiosa que não há nada que a não atraia e de que ele não se ocupe: a música, a pintura, a fotografia a literatura, o cinema, a religião. E também não é o seu inteligentíssimo esforço de tornar a cultura, o seu saber e a sua aprendizagem, um objecto de utilidade evidente na compreensão do mundo que nos rodeia e das coisas todas que nos espantam. Não, o que eu mais admiro na sua escrita e no seu pensamento é exactamente esse espanto perante o mundo. A sua capacidade de dar testemunho dele e de nos chamar a atenção para a grandiosidade de tudo, até das coisas aparentemente pequenas. Porque, como ele diz aqui, “sobra sempre vida à história que contamos dela”.

Assim, vamos dar nestas crónicas com dissertações exuberantes de coisas como o bolo de bolacha - o seu preferido – ou o saudoso bolo de arroz – a que chama “uma causa perdida”, sacrificado à “massificação da pastelaria que nos rouba a vida às dentadas”. Ou sobre o significado e a importância do plantio de batata, como manifestação de vida, de continuidade e de resiliência. Ou sobre a transcendência das várias camadas sobrepostas de cor das maçãs pintadas por Cézane. Ou sobre a impossibilidade de encontrar um verdadeiro spaghetti alla amatriciana fora de Itália.
Tal como ele diz acerca de Eugénio de Andrade, também se pode dizer sobre si que “não consentia em distrair-se da responsabilidade que é viver diante de coisas tão elementares como a luz da manhã, os goivos que florescem, o branco da página, o olhar das vítimas ou o olhar do seu gato”.

Sim, é preciso olhar. É preciso olhar ainda, uma e outra vez. É preciso saber olhar – ou, como ele diz, numa associação de ideias particularmente feliz, saber “reparar”. Cito (pag. 89):........

2- A este propósito, aliás, queria dar nota da minha única discordância relativamente a uma característica presente em alguns destes textos. Dá-se o caso de por vezes sentir que é como se o JTM tivesse medo de que os leitores não percebessem a grandiosidade das coisas do mundo, de que fala com deslumbramento. E então, acrescenta à descrição e ao testemunho uma espécie de catálogo explicativo - se assim me permito interpretar. Passa de contador da história, de testemunha do mundo, a guia. Como se as coisas evidentes o não fossem por si mesmas, uma vez simplesmente contadas. Como se a beleza precisasse de ser explicada, a alegria precisasse de ser recomendada, ou o sofrimento precisasse de anestésico, para além da sua brutalidade, pura e simples. Faz-me lembrar a diferença entre Dostoievsky e Tchekov – que eu prefiro largamente. Dostoievsky descreve tudo tão minuciosamente e de cada descrição extrai uma lição e uma moral tão incontestáveis, que não sobra nenhum espaço em branco por preencher, nenhuma liberdade criativa ao leitor: ele dá e recomenda. Tchekov, pelo contrário, descreve apenas, e em substantivos simples, uma estação de comboios na Rússia de então ou uma praia no Mar Negro. E nós, que nunca lá estivemos, adormecemos a imaginar a praia e a estação à medida da nossa imaginação.
O esplendor do  mundo, das coisas do mundo, não precisa de ser explicado. Precisa apenas de ser contado – e essa é a função do escritor – ou precisa de ser pintado, fotografado, filmado, musicado. Permitam-me, a propósito, que chame aqui à colação um escritor que, por acaso, é a minha mãe. Mas que não vem aqui por acaso ou porque eu tenha por dever de ofício citá-la em tudo o que são ocasiões públicas. Pelo contrário: na minha intimidade, não há um dia em que eu não a cite para mim mesmo; mas, em público, é diferente e é penoso. Mas chamo-a aqui porque sei que ela é um dos autores de referência do JTM – um grande poeta reconhece sempre o outro. O Cristo Cigano...
“O caminho da manhã”...

Numa passagem de um destes textos, o JTM fala sobre a amizade e diz uma coisa que eu gostaria de ter sido capaz de dizer de forma tão simples e certeira: “a amizade não só guarda silêncio, como ela é guardada pelo silêncio”. É exactamente o que eu penso: a amizade, como o amor, como todos os grandes sentimentos, precisa do silêncio entre parceiros. Acredito que nenhuma relação que não saiba habitar o silêncio e fazer dele um espaço partilhado e íntimo sobreviverá. Aliás, penso que tudo o que é importante precisa de silêncio – até a música. E a escrita também: há um silêncio entre as palavras, as frases, as páginas de um livro, que o autor tem de ser capaz de criar e o leitor ser capaz de escutar.

3- Aqui chegados, alguns de vocês estarão porventura a indagar-se: “mas afinal, de que trata o livro do JTM?”. É a mais legítima das perguntas, a mais lógica de fazer, nestas ocasiões. Para aqueles que são seus leitores habituais no Expresso, a resposta é desnecessária: elas sabem-na. Mas para os outros, eu - que fui formatado numa escola de jornalismo clássico, em que a todo o tempo temos de ser capazes de fazer o lead de qualquer notícia – não há como fugir a uma resposta. E, pois, mesmo correndo o risco de o próprio autor discordar de mim, eu diria que o lead desta notícia, a razão de ser deste livro, desta reunião de crónicas, é o mais banal e o mais premente de todos: um personagem à procura de um autor, um autor à procura de um sentido... para tudo isto. E isto é a vida: o que vimos, o que reparámos, o que fizemos e o que deixámos de fazer, o que lemos e o que aprendemos, o que ouvimos e o que escutámos, o que foi o nosso percurso, o que fizemos desse extraordinário acaso cósmico que é o de termos sido seres vivos, entre tantos milhões de hipóteses de o não sermos, neste planeta, nesta vida, neste tempo. E, inevitavelmente, a busca de uma resposta à fatal pergunta que sentido fez tudo isto, afinal, se não sabemos para onde vamos, quando o azul passar a cinzento e quando o cinzento passar a branco.

Eu – que definitivamente, segundo creio, e infelizmente – não acredito num outro céu azul à espera dos homens de boa vontade, quero todavia acreditar que ao menos exista o Inferno, para acolher os homens de má vontade, os que, por aqui tendo passado, transformaram vidas alheias num Inferno. Mas não estou, obviamente, certo disso, muito pelo contrário. Mas espero que, de algum modo que muitas vezes não sabemos qual possa ser, haverá, no fim de tudo, uma justiça feita aqui, entre os vivos – quanto mais não seja, quando já nada nos restar do que estarmos definitivamente a sós perante a nossa consciência e o último segundo de lucidez for ocupado a responder à pergunta se a nossa vida fez sentido.


É isso, em minha opinião, que perturba, que ocupa e que gritantemente se impõe na leitura destes textos. Um homem à procura de um sentido para a vida: a dele e a dos outros. É isso que se poderia inferir apenas da leitura de um destes textos, se todos os outros também o não confirmassem. Chama-se o “Elogio das pequenas coisas”, e eu vou ler uma passagem com a qual termino e que li, deslumbrado, enquanto comia umas lapas grelhadas na brasa, com azeite e alho (acho que o JTM, gostará de saber que assim a alegria das pequenas coisas não nos distrai da evidência das grandes): (pág.33).

Este é o texto da apresentação feita por Miguel Sosa Tavares ao livro que reune as crónicas de Tolentino de Mendonça, intitulado "Que coisa são as nuvens" e que, sob sua autorização, publico a pedido de uma comentadora.
É um belo texto que decerto interessará mesmo àqueles que o não ouviram!

HSC