quarta-feira, 15 de abril de 2015

Felicidade suburbana

"A noite próxima, quando a gente chega a casa, cai uma calma sobre o bairro que limpa as ruas e os espíritos. Não falo de silêncio, nem de sono, mas de uma serenidade habitada pelos ruídos do costume, pelos hábitos diários e as urgências da necessidade. O pão que é preciso comprar na loja da esquina, ir buscar os filhos à escola, preparar o jantar de janela aberta, o cheiro a refogado enchendo os ares. As conversas de quem encontra o vizinho e precisa de alimentar os laços e as ilusões de proximidade enquanto se vai afastando, recuando, recolhendo ao engano do lar. O ronco dos carros a serem estacionados, o barulho dos pratos e das chávenas no café da esquina, o vento trazendo pela janela o odor distante de fumo que vem das vivendas. 
Há medos que espreitam, como sempre, todos os dias, todos os medos emboscados no caminho, e os poucos segundos que se transformam em minutos, minutos imersos nessa proximidade quotidiana e fingida, são as bóias que nos mantêm à tona. Nadamos entre escolhos, e vamos ao encontro de quem nos reconhece, mesmo que não saiba o nosso nome, nem de que sonhos somos feitos. Entre escolhos, resgatando connosco a verdade que vamos fabricando, chegamos a ilhas que não aparecem no mapa. 
A noite empurra o dia para o passado. Somos como um velho disco riscado, de cada vez que tocamos mais ruído de fundo produzimos. Mas as mãos que retiram o disco da capa, que puxam a agulha e a deitam devagar sobre os sulcos, as mãos, reconhecemos nelas o que somos, o seu cheiro, a pele porosa por onde se infiltra o amor. A mesma canção tocada tantas vezes, e nunca nos cansamos dela. Talvez um dia o bairro faça sentido. Cá dentro, a isso nos conduz, um sonho de quem nunca encontrou o lugar certo para dormir." 


                    Sergio Lavos in aubade.blogspot.pt

A blogosfera é um campo onde se encontra do melhor e do pior. Compete a cada um de nós fazer a necessária selecção. 
Hoje descobri este belo texto e apeteceu-me partilha-lo convosco. É um "tom" bem diferente do meu e, parece-me, revela algum cansaço, algum desencanto. Por isso mesmo, chamou a minha atenção! 

HSC

8 comentários:

Anónimo disse...


A noite empurra o dia para o passado...
Além do cansaço, nostalgia...

Carla

Benó disse...

Talvez, hoje, a senhora se encontre um pouco triste. O texto é belo na sua verdade sentida.

Anónimo disse...

Há dias assim.Pessoalmente tenho sempre presente que:
"Não há mal que sempre dure,nem bem que não se acabe".
Então é ter coragem e força nos momentos menos bons porque os bons virão.E infelizmente há muitos que estão pior do que eu e é a força desses que me ilumina.
Fátima

Anónimo disse...

🌷

Anónimo disse...

que lindo. gosto muito.
MC

Fatyly disse...

e pelo que se ouve se sente-se...não é caso para menos!

Gostei!

jaime disse...

O perigar da invasão árabe em países Europeus. Quero dar uns grandes parabéns, à grande amiga Helena Sacadura Cabral.

jaime disse...

Gosto muito de ler os textos escritos no livro da escritora Helena Sacadura Cabral.