segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Da memória selectiva


“...Ser coerente uma vida inteira, só para dizer que se é coerente, é o maior acto de desinteligência que conheço. Ao contrário do que alguns possam pensar, tenho demasiado respeito por mim - aprendi a ter - para não saber onde estive, onde estou.”
“ ...Procuro encarar as pessoas como encaro os factos da vida: aceito o que posso, rejeito o que consigo. Quero o que me faz bem e não me mente. Quero o melhor para as pessoas que amo. Não pactuo com equívocos, não faço as pazes com alguém por ser conveniente, por ser politicamente correcto. Mantenho as minhas inimizades com a mesma força com que mantenho as minhas amizades. As mais recentes incompreensões fazem-me acreditar que o sistema das gavetas é essencial: estes vão para aqui, aqueles vão para ali. As pessoas - e as coisas - têm a importância que lhes damos. Mais nada. A importância também está na memória.”

         (Patrícia Reis in Delito de Opinião)

Quando li o post de que retirei estes excertos dei-me conta da importância que, também eu, atribuo à memória. Não porque viva agarrada ao que já passou, mas porque ela me permite seleccionar o que tem importância e faz bem, daquilo que a não tem e faz mal.
Há poucos dias tentava recordar – com alguma morbidez, confesso – algo que fora importante, pelo sofrimento que me havia causado. Pois bem, o sistema de arquivo morto e arquivo vivo em que me movo, arrumou tão bem o acontecimento que, por mais que fizesse, ele não saiu de onde eu o havia enfiado. Ao invés, outros factos, da mesma época, que me tornaram feliz, surgiram sem que eu tivesse feito qualquer esforço para os relembrar. Ou seja, a memória selectiva que, entre nós, tem tão má reputação é, afinal, uma ferramenta excelente para quem não queira viver agarrada ao que já não interessa mesmo lembrar. Como é, por sorte e algum esforço, felizmente, o meu caso!


HSC

30 comentários:

Anónimo disse...

Memória selectiva, educa-se, aprende-se. Melhor que isto, confesso, só pequenos "mini-avc" (ataque isquémico transitório). :D

Anónimo disse...

Subscrevo, o que abaixo foi escrito!!!

Quero o melhor para as pessoas que amo. Não pactuo com equívocos, não faço as pazes com alguém por ser conveniente, por ser politicamente correcto. Mantenho as minhas inimizades com a mesma força com que mantenho as minhas amizades.”

Carla



Dalma disse...

A propósito das gavetas que haverá ou não no cérebro humano recebi há dias este vídeo e, eu que sou uma cinzentona no campo de achar pouca graça a este tipo de coisas, confesso que ri a bom rir!
Já agora devia ser "obrigatoriamente" visualizado por todos os que decidem "juntar os seus trapinhos" ( desculpe a vulgaridade da expressão, mas não me ocorreu outra de momento!) talvez evitasse alguns divórcios prematuros.

http://youtu.be/7QQdC0_YqH4

bea disse...

Vou escrever algo que pode até ser errado, porque desconheço a autora. Mas diria que Patrícia Reis é jovem. O vigor com que afirma amizades e inimizades, a certeza de conservar ambas no seu irredutível reduto, de continuarem sendo o que são, só pode advir daí; é, no fundo, uma afirmação vitalista e determinada, adjacente da plenitude física de cada um. Não há tantas certezas na velhice; além de se compreender que o pragmatismo da vontade, ainda que tenha o seu papel, não é factor único de influência.

Quanto à coerência...ninguém é coerente uma vida inteira; aliás, somos mesmo do mais incoerente que há. A coerência é factor que gostaríamos de preservar na nossa personalidade, mas acontece que somos pouco fiáveis (sem auréola).

Porém, se a autora pretende dizer que manter uma ideia ou um princípio a vida toda é parvoíce...bom, aí penso que há princípios básicos que mantemos - mesmo com as devidas e inevitáveis infracções - o inteiro da vida. No entanto, nas várias idades somos diversos, em ambientes também diversos. Logo, parece normal que haja ideias que se transformem, gostos que mudem, concepções que divirjam ou nasçam.

No tempo,somos e não somos os mesmos. Se a coerência for entendida - mal entendida - como desejo de sermos exactos e iguais, é palermice. Por sermos efectivamente outros do que fomos. E o que é hoje pode não ser amanhã. Esse é que é o interesse de viver.

Abençoada memória selectiva. Não apenas por selecionar. Também por enfeitar o passado que recorda.

Anónimo disse...

Senhora,espero que tenha memórias doces do chauffeur
Ferrero Rocher para si.

Ambrósio

Anónimo disse...

E aqui neste Blog - espaço de vida - que memória boa tem?Se é que não estou a ser indiscreto?!Algo que a tenha feito sorrir e mereça ser partilhado...

:-)


Maria do Porto disse...

Para manter a nossa sanidade mental HÁ que fazer isso! Arrumar de vez tudo aquilo que já não interessa, é essencial. Para quê guardar "lixo", onde podemos armazenar coisas boas e/ou novas?
Custa fazer este exercício, é um esforço, mas vale a pena! Eu que o diga!
Cumprimentos

Fatyly disse...

Já tinha lido a artigo e pensei o mesmo. Por vezes quem recorda algo é a minha mãe e eu sinceramente faço imenso esforço mas a "gaveta" não abre mesmo...ao que ela me diz: ainda bem filha!

Um abraço

Helena Sacadura Cabral disse...

Anónimo das 15:26
Do Ferrero Rocher, dulcíssimas memórias.
Do Ambrósio é que já me não lembro tão bem, porque as memórias do Ferrero Rocher só as ligo a outro nome. Questão de memória selectiva!

Helena Sacadura Cabral disse...

Bea
Patrícia Reis tem quarenta e poucos anos e uma vida profissional excelente.
É escritora, jornalista e edita a Egoista uma das mais belas revistas que conheço.
Tudo o que faz é bem feito, é linda e é uma doçura de pessoa, com filhos inteligentes e um marido de quem todos gostamos muito.
Aconselho-a vivamente a ir à net, ver os seus blogues e arrisque comprar um livro dela. Vai gostar!

rmg disse...



Do poema/canção "Maintenant je sais" dito/ cantado por Jean Gabin:

"C'est encore ce qui m'étonne dans la vie,
Moi qui suis à l'automne de ma vie
On oublie tant de soirs de tristesse
Mais jamais un matin de tendresse !"

https://www.youtube.com/watch?v=orDR4JA91F4

RuiMG

Helena Sacadura Cabral disse...

RMG
Obrigada. Gosto imenso dessa canção!

bea disse...

Obrigada, Helena. Importa conhecer a primeira pessoa de fazer tudo bem feito. Porém, mesmo que nem tudo que faça o seja, sendo escritora, poderá ter a minha admiração de carteira aberta e o meu tempo de lê-la.
Bastará consultar-lhe um livro com vagar para decidir:).

Virginia disse...


Não consigo seleccionar memórias. Elas aparecem-me em todos os momentos, numa mistura entre o riso e as lágrimas, momentos dramáticos, momentos felizes em dó menor, retratos do passado que me fazem sorrir, sonhos desfeitos, liberdade conquistada a pulso...

Fica aqui uma das canções que mais me emociona e que tem uma relação directa com os meus filhos.
" Memory" do musical CATS. Este musical foi coreografado no colégio alemão onde eles andavam, e ambos interpretaram personagens inesquecíveis.

http://youtu.be/FWNWt3kiTWc

Bjo

Anónimo disse...


Bom dia Helena!
Visitei o blog da Patricia Reis, gostei imenso deste texto.

Ainda não te disse nada
Se tivesses a capacidade de me ler os olhos, como outras pessoas lêem nos lábios, verias que sinto tudo pelo dobro, que vejo tudo com a clareza que te falta e que o grito que guardo é teu, apenas teu. Por isso, quando me olhas, o pouco que me olhas, não precisas de suavizar o rosto, mantém-te sério. A nossa relação tem essa crueza. Deixa-te estar. Podes olhar. Na verdade, ainda não te disse nada.

Helena, é lhe fácil perdoar quem a desilude?
Quem sabe que errou, mas que não pede desculpa?
Não sei, se será defeito ou feitio, mas esse é um dos meus pontos radicais.
Não odeio, mas algumas pessoas passa-me a ser indiferentes.
Não sei, ser de outra forma, será que temos que dar a outra face?
"Gato escaldado de água fria tem medo."

Carla

Anónimo disse...

Senhora,dos presentes virtuais do chauffeur,digo.
Dar é uma felicidade dulcíssima para a memória.tenha um dia doce.

Ambrósio

Paulo Abreu e Lima disse...

A memória selectiva não se trabalha, não se cria ou inventa. Nasce todos os dias connosco, é um mecanismo humano de defesa, de sobrevivência, de bem-estar. Quem não a tem está enfermo e deve procurar ajuda.

Helena Sacadura Cabral disse...

Carla
Perdoar - no sentido ecuménico do termo - perdôo. Mas não esqueço...
Vivo com peças que guardo no arquivo morto e com outras que estão no arquivo vivo. As primeiras só saem cá para fora se algum terramoto se produzir na minha vida que as faça lembrar. Julgo que apenas me terá acontecido, de forma real, com a morte do meu filho. Mas aí foi uma passagem violenta que algo importante passou do arquivo vivo para o arquivo morto. E hoje percebo bem porquê...

Anónimo disse...


Helena
Ter a nosso computador (cabeça) bem arrumadinho, por arquivo morto/vivo leva o seu tempo. Vejo, que tem tudo muito organizado, também eu gostava de ter...
Já, tenho algumas pastas arrumadas ( arquivo morto) e mais teria se não fossem outros, por narcisísmo deles a quererem que pensemos como eles. Quando, nos querem impor a sua vontade, o seu querer. Hoje, para meu bem ou mal sou eu que penso por mim, tenho as minhas convicções, acredito nelas. Mas quando erro, sei reconhecer, e não tenho pudor algum em pedir desculpa.
Já, o contrário não é assim, de cima dos seus palanques erram, e querem que sejamos os mesmos, como se fossemos robôs e não pessoas com sentimentos.
Obrigada, a sua partilha é sempre clarificadora.
Também gostei da opinião do Paulo.

Carla

Anónimo disse...

Para o chá das 6 um pouco de calor num dia frio.

http://youtu.be/ivsPLiXehuQ

*_* *..*

Helena Sacadura Cabral disse...

Carla
A minha única vantagem é ter idade e portanto houve tempo para arrumar as gavetas. Não foi fácil, longe disso. Mas trouxe-me muita serenidade.
Pensar numa série de episódios na minha vida que julgava importantes e que hoje estão mortinhos no arquivo, quase dá vontade de rir...

Virginia disse...

Paulo,

Obrigada pela informação.

Vou já ao médico amanhã. Estou a ler o livro Still Alice, muito instrutivo no que respeita à memória.

É claro que todos seleccionamos memórias , mas às vezes o subconsciente atraiçoa-nos e não conseguimos apagar traumas por que passámos. Era bom se pudéssemos seleccionar só o que é bom!!

CS disse...

Diz a Virgínia: .....não conseguimos apagar traumas por que passámos.
Nem mais !!!!!
- O grande busílis da questão, reside no cessar-fogo, com a nossa consciência!!!!!!!!

Anónimo disse...

Que a memória me lembre sempre de não a esquecer.
Memória selectiva.

Ghost

Paulo Abreu e Lima disse...

Virgínia,

Creia que não li os comentários anteriores, incluindo o seu. Logo, não tinha nada a ver com o que comentou. Agora, sim, li os seus e os outros e, se me permite, creia igualmente: o subconsciente é danado, trai-nos em cada esquina, mas não é por ele que nos devemos reger. Se com ele os traumas sobrevierem e subsistirem, devemos procurar ajuda sim, sem dramas nem sem nos sentirmos diminuídos. Como um joelho que dificulta a caminhada e necessita de fisioterapia e aconchego, a nossa alma também necessita de equilíbrio e, sobretudo, de paz.

Anónimo disse...


Bom dia Helena!
A vantagem é ter idade, mas também ter a capacidade, e coragem de querer evoluir ao longo do percurso da vida. Muitas pessoas tem idade, mas não tiveram capacidade, nem ajuda para arrumar nada, estgnaram no seu todo. Infelizmente, conheço uma, como gostaria que ela tive-se um pouquinho de si... já era muito.
Dou, por mim muitas vezes, a dar exemplos seus a ela...
A Helena foi-se refinando, sem pudor, partilha os seus males, as suas alegrias, a sua força , é uma ferramenta poderosa, para muitos leitores.
Tenha, a certeza que ajuda muita gente, mesmo sem saber!

Escolher a felicidade
Nem paz nem felicidade se recebem dos outros nem aos outros se dão. Está-se aqui tão sozinho como no nascer e no morrer; como de um modo geral no viver, em que a única companhia possível é a daquele Deus a um tempo imanente e transcendente e a dos que neles estão, a de seus santos. Felicidade ou paz nós as construímos ou destruímos: aqui o nosso livre-arbítrio supera a fatalidade do mundo físico e do mundo do proceder e toda a experiência que vamos fazendo, negativa mesmo para todos, a podemos transformar em positiva. Para o fazermos, se exige pouco, mas um pouco que é na realidade extremamente difícil e que não atingiremos nunca por nossas próprias forças: exige-se de nós, primacialmente, a humildade; a gratidão pelo que vem, como a de um ginasta pelo seu aparelho de
exercício; a firmeza e a serenidade do capitão de navio em sua ponte, sabendo que o ata ao leme não a vontade de um rei, como nos Descobrimentos, mas a vontade de um rei de reis, revelada num servidor de servidores; finalmente, o entregar-se como uma criança a quem sabe o caminho. De qualquer forma, no fundo de tudo, o que há é um acto de decisão individual, um acto de escolha; posso ser, se tal me agradar, infeliz e inquieto.
Agostinho da Silva

Carla

Helena Sacadura Cabral disse...

Virgínia e CS
É nesse busílis - os traumas que subsistem - que o processo de selecção se concentra.
O trauma pode estar lá e vir à superfície sem o termos chamado. E pode ficar a fazer ninho, ou ser mandado embora. É nisso que me apliquei e aplico. De tanto serem rechassados, os traumas vão indo, aos poucos, para o arquivo morto, onde tendem a ficar. É um exercício duro. É, mas se levado muito a sério acaba por compensar!

CS disse...

Teorias....!!!!!!!!!!!!

Virginia disse...

Obrigada, Paulo, pela rectificação e conselhos.

Dou aqui um exemplo dum trauma que me assola muitas noites.
A minha filha desapareceu em Leeds durante três dias e fui dar com ela num hospital psiquiátrico a 100km da cidade com uma crise psicótica. Foi no dia 15 de Agosto de 2005, tinha ela 25 anos. Ela agora está estável e de bem com a vida. No entanto, já teve outra crise em Inglaterra há três anos e isso pode ocorrer em qualquer altura. Como é possível afastar o trauma por que passei - eu e o meu filho mais velho - nesse ano e esquecer o drama que é não saber duma filha?
Não é pensando que ela está bem agora que apago o que se passou!
Acordo às vezes de noite numa aflição, mesmo em dias em que falo pelo akype e sei que está OK.

Desculpem o arrazoado, mas tinha que dar um exemplo.

Anónimo disse...


Bom dia Helena!
Alguns, traumas sendo verbalizados, com alguém treinado para esse fim, vão esfumando, uns ficam adormecidos, outros desaparecem por completo.
Tenho provas dadas para alguns, um trauma que não consigo superar, é ter terror aos cães Pitbull e Rottweiler, tudo isto porque o meu cão foi atacado pelos 2 ao mesmo tempo. Vivi momentos de duro pânico, o Óscar só sobreviveu por milagre. A partir de aí, não consigo me aproximar dessa raça, mesmo que os donos, digam que não fazem mal.
É trauma que não me condiciona, mas já tive alguns episódios caricatos, que no fim fazem-me, rir da figura que faço.
Saber, rir de nós mesmos é saúdavel!

Virginia é natural a sua preocupação, depois do que aconteceu. Ter sonhos recorrentes/repetitivos é a demonstração de um conflito que está enraizado, por vezes têm que ser trabalhados, só assim conseguirá deixar de o ter.
O Paulo é bem explicito nas suas palavras, quando nos doí algo no corpo vamos ao medico da especialidade, sem pudor. Entrar num consultório de um profissional seja ele psiquiatra, psicanalista, é um acto como outro qualquer, a meu ver inteligente, porque se for bom é uma grande ajuda.
Confesso, que só procurei ajuda aos 40 anos, tenho pena de não o ter procurado mais cedo, porque se o tenho feito, compreenderia muita coisa no meu ser, e seria diferente com alguém que já não está cá!

Carla