quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Cinco anos!

Comecei este blogue há exactamente cinco anos. Escrevi, durante este período, 2043 textos. A ideia foi continuar na blogosfera - mundo que desconhecia totalmente - o trabalho que, durante uns anos, mantive no Diário de Noticias, numa coluna semanal intitulada Fio de prumo. 
Era, afinal, a forma encontrada de não deixar de escrever sobre o mundo que me cerca e o meu próprio mundo. Sabia que essa disciplina me faria falta, conhecendo-me como creio conhecer-me.
Cortei, dolorosamente, confesso, com o Diário de Notícias, a partir daí. Não cortei com os amigos que lá mantenho, mas recusei sempre voltar a colaborar no jornal, pesem embora as dedicadas tentativas do meu amigo Céu e Silva. O diário tornara-se num meio de comunicação muito diferente daquele que eu conhecera.
Foi, aliás, com este amigo que há cerca de três meses - quando já se falava da saída da direcção que por lá se manteve estes anos -, quebrei esse divórcio e voltei ao DN, numa entrevista sobre livros. E também foi com o actual director, André Macedo, que voltei a comprar e a ler o jornal.
Passaram 150 anos sobre a sua fundação. Cresci e brinquei com ele, porque era o matutino do meu Pai. Fiz-me gente lendo muita coisa que por lá se escrevia. Olhando para trás, relembro com gosto o tempo em que lá colaborei. E acabo por, afinal, lhe ficar agradecida pela saída, porque o Fio de prumo que mantive até agora na blogosfera, não existiria sem ela.
Há sempre um lado positivo naquilo que nos parece ser injusto, imerecido ou inesperado. Foi o caso. Infelizmente nem todos sabem ou podem dar a volta. Eu pude. Por isso, neste aniversário do jornal, não só agradeço o tempo em que lá colaborei, como o facto de lá ter saído!

HSC

O outro lado da quebra do preço do petróleo

"...Vale-nos, assim, a esperança dos choques externos. Começamos 2015 com grandes incertezas sobre o futuro da Europa e do Mundo. Dentro de um mês a Grécia vai a votos, ameaçando desestabilizar a paz podre europeia. A queda do preço do petróleo parece um bálsamo, mas traz consigo instabilidades geopolíticas de consequências imprevisíveis. Nas origens da baixa do preço do petróleo surge uma alteração da política monetária dos EUA, que pode ser o início do fim dos juros baixos - e, com ele, o rebentamento de várias bolhas especulativas. Enfim, o mundo não pára, malgrado a tendência do sistema político português para suspender a realidade sempre que eleições se aproximam."
(Ricardo Paes Mamede, in ladroesdebicicletas.blogspot.pt)

Este é o excerto final de um texto mais longo e com uma visão política com a qual se pode ou não concordar. Mas o retrato económico que aqui se faz desvenda uma realidade de que pouco se fala entre nós. Limitamo-nos a ficar contentes com a descida do preço do petróleo que beneficia as contas públicas e privadas e esquecemo-nos de perguntar o "porquê" de tal ter acontecido. Se lerem o artigo do Professor Jeffrey Frankel para que o texto remete ficarão com uma ideia mais clara do que pode estar por detrás desta descida...
HSC

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Hippie Hippie, Urra!

"Perguntou-me a minha filha se eu fui hippie ou yuppie.
A pergunta não faz sentido, embora se deva dar o desconto por ser feita por uma garota de 22 anos. Primeiro, porque não se trata de uma disjunção. Não se pode ter sido hippie OU yuppie, pois não são realidades sociais concomitantes. Hippies é coisa dos anos 60, yuppies, dos anos 80. Segundo, porque feita assim a pergunta dá a ideia de que só existem essas duas possibilidades. Por fim, mas não menos importante, porque não faz sentido falar de um movimento hippie em Portugal.
Portugal não teve anos 60. Portugal era o TV Rural, as picarias, as festas da aldeia, o Roberto Carlos, o Nelson Ned e o Gianni Morandi, o Benfica-Sporting, as casas de pasto, os salões de bilhar, o natal dos hospitais mais o festival da canção, os emigrantes, os magalas e as sopeiras. Mais do que o trio sex, drugs and rock and roll, Portugal era o Trio Harmonia. Mais do que o duo Sonny & Cher era o Duo António Calvário & Madalena Iglésias. Claro que havia urbanas festas de garagem alimentadas com Doors, Stones e Janis Joplin e condimentadas com uns charros apesar dos avisos de Droga, Loucura e Morte pelas paredes de Lisboa. Como havia jovens de classe média que iam a Londres ou Paris. Mas isso era para quem tinha dinheiro para comprar discos, dar-se ao luxo de passar fome no estrangeiro, ser filho de alguém que tivesse uma vivenda com garagem e andasse no liceu, coisa nada fácil naquele tempo. Ah, e nos anos 60 eu era uma criança.
Mas mesmo em Inglaterra, EUA ou França, o que foram os anos 60? Ok, foram muita coisa. Longe, porém, de se poderem reduzir a um filme chamado Woodstock, meia-dúzia de fotografias com valor iconográfico, a umas canções subversivas e às recordações de uns velhotes que falam hoje do seu tempo como se eles e o seu tempo fossem um centro. A não ser que se trate de um centro de reabilitação.
Mas se a pergunta da minha filha merece desconto, imperdoável foi a estupidez da resposta do pai: hippie. Ou seja, a criatura que acabou de escrever toda esta lengalenga é precisamente a mesma que respondeu isso mesmo: hippie.
A frequência dos meus episódios de estupidez é preocupante. Isso, todavia, não refreia o meu desejo de tentar perceber a sua origem. Quer dizer: sou estúpido mas gosto de ter a consciência de que sou estúpido e de saber por que sou estúpido. Esta vez não foi excepção. A minha filha fez-me uma pergunta. Uma pergunta errada e mal formulada. Uma pergunta com duas gavetas: a gaveta dos hippies e a gaveta dos yuppies. Ora, eu nunca fui um hippie, aliás, nem poderia tê-lo sido. Porém, o que se passou na minha cabeça para ter dado uma resposta arrastada pelo nível falacioso da pergunta?
Em primeiro lugar, uma necessidade de objectividade, funcionalidade e objectividade que ocorre habitualmente ao nível da comunicação. Por exemplo, quando na rua nos dizem "Olá, estás bom?", nós respondemos "Tudo bem, e tu?" E o outro responde "Tudo bem também", e seguimos viagem. Ninguém vai fazer entrar em pormenores nem é esse o objectivo da pergunta. Claro que perguntarem-nos se somos A ou B não é o mesmo do que um cumprimento. É mais complexo. Só que mal a minha filha fez a pergunta, de imediato percebi que estava a ser mentalmente orientada por um estereótipo e que apenas queria arrumar-me numa das duas gavetas. E eu quis ser eficaz, tendo para isso sacrificado a complexidade que a pergunta exigia.
Agora, e em segundo lugar, por que razão disse eu ter sido um hippie apesar de nunca o ser? Porque, num processo mental de uma rapidez absolutamente fulgurante, associei meia dúzia de referências alojadas num cantinho do meu cérebro cuja textura é mais imaginária do que racional. Foi assim uma resposta feita de músicas que ouvi, ideias que tive, roupas que vesti, cabelo e barba comprida que usei, coisas que fiz, ou que nunca fiz mas desejei fazer.
Daí eu ouvir a pergunta e responder com a mesma espontânea naturalidade se me perguntassem se sou do Benfica ou do Sporting, se gosto mais  de Bergman ou de George Lucas, se prefiro ir à National Gallery ou ao Madame Tussaud, se gosto mais de um dia de Outono ou de um dia escaldante de Verão, se prefiro jaquinzinhos fritos com arroz de tomate ou uma pizza congelada, se gosto mais de azul ou de verde alface.
O que é assustador não é a minha estupidez ao dar uma resposta errada ou falsa à minha filha. Eu sou eu, e a minha estupidez só por si não trará grande mal ao mundo. Assustador é poder chegar a perceber que grande parte dos pensamentos mais comuns dos seres humanos se baseiam neste tipo de processos mentais básicos, espontâneos, quase involuntários. Muitas vezes com consequências que podem ser más. Noutros, podendo mesmo ser tenebrosas."

Jose Ricardo Costa em ponteirosparados.blogspot.pt




Este texto é um belíssimo retrato de uma geração. Deliciei-me a le-lo. Não sei a idade do seu autor que seguramente é mais novo que eu. Mas tudo o que ele diz é a pura verdade sobre Portugal dos anos sessenta que eu conheci bastante bem!



HSC

Há quem faça melhor!

“Em Inglaterra, a cadeia de supermercados Waitrose, oferece uma chapa a cada cliente que fizer compras acima de um determinado
valor. Este, à saída tem, normalmente, três caixas, cada uma em
 nome de uma instituição social sediada no município, para receber as
 referidas chapas, de acordo com a opção do cliente. As chapas de cada caixa são periodicamente contadas e a empresa entrega em dinheiro,
 à respectiva instituição, o valor correspondente. Este donativo
diminui os seus lucros mas também tem o devido tratamento em termos
 de fiscalidade.

 
Em Portugal, as campanhas de solidariedade envolvem uma parte 
para a instituição, outra parte para o Estado e uma terceira parte 
para a empresa envolvida na acção. Ou seja, até na ajuda aos mais necessitados, todos têm que ganhar alguma coisa…
Nós ficamos
 que contribuimos ficamos quietos e calados. Tomamos tudo por normal, quando afinal há quem faça o bem de maneira diferente.
Um exemplo: decorreu num destes fins de semana  mais uma ação, louvável, do 
programa da luta contra a fome. 
A recolha em hipermercados, segundo os telejornais, foi de cerca de 2.644
toneladas, ou seja 2.644.000 Kilos.

Se cada pessoa tiver adquirido um bem para doar e se o mesmo custou, por exemplo, 0.50 €, teremos 1.322.000,00€ (correspondentes a 2.644.000 kg x 0,50€), como valor total pago nas caixas dos hipermercados.

Dos quais, em princípio, o Estado poderá receber 304.000,00€ (admitindo o IVA a 23%) e
 o hipermercado 396.600,00 € (admitindo uma margem de lucro de cerca de 30%).
 

Excluo, como é evidente, deste raciocínio, o louvável trabalho dos milhares de voluntarios que generosamente se envolvem nestas campanhas e que merecem o maior respeito”.

Recebi este mail há uns dias. Penso que não é novo. Mas não é isso que me leva a publica-lo. Nem sequer discuto se aquelas contas, ou outras, estarão certas. O que eu questiono é a diferença de atitude entre os dois países.
Julgo que, tratando-se de campanhas contra a fome, se justificaria que o Estado fiscalizasse a autenticidade da operação prescindindo do imposto ou reduzindo-o ao mínimo valor. E a empresa limitar-se-ia a lucrar apenas o benefício fiscal que fosse determinado para tal tipo de operações.
Ou seja, parece-me que o modelo britanico é bem mais justo do que o nosso!

HSC

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

É uma pena!

"...E se che­ga­ram até aqui, bem mere­cem saber quais eram os fil­mes que Jorge de Sena, o Jorge de Sena de “Sinais de Fogo” e “As Evi­dên­cias”, leva­ria para uma ilha deserta.
Garbo
Os 10 fil­mes para uma ilha deserta
de Jorge de Sena 
Citi­zen Kane, Orson Wel­les
Les Enfants du Para­dis, Mar­cel Carné
Lime­light, Char­lie Cha­plin
The Quiet Man, John Ford
Umberto D, Vit­to­rio de Sica
Rocco i sui Fra­telli, Luchino Vis­conti
Otto e Mezzo, Fede­rico Fel­lini
Zorba, the Greek, Michael Cacoyan­nis
Blow-up, Miche­lan­gelo Anto­ni­oni
Per­sona, Ing­mar Bergman"
( Manuel da Fonseca no blogue Escrever é triste)
Tive a sorte de conhecer Jorge de Sena e também a sua mulher Mécia. Hoje não pude deixar de sorrir quando vi a lista dos 10 filmes que ele levaria para o acompanharem numa solitária estadia, algures numa ilha. Seria igual à minha. Apenas substituiria o Zorba pela "The Age of Innocence", de Martin Scorsese.
É evidente que me não comparo a Jorge de Sena. Mas é justamente por isso, porque não sou ninguém ao pé do poeta e escritor, que não posso deixar de ver nesta escolha - tão semelhante entre diferentes - uma marca geracional a vários títulos comovente.
Pertenço a uma época em que os filmes faziam parte integrante da nossa cultura e em que os realizadores valiam, nas opções de cada um, tanto ou mais do que os actores. Amavam-se os filmes como se amavam os livros. No cinema uns, ou numa edição em papel, os outros. Hoje, a tendência é ver tudo no pequeno ecrã, perdendo a beleza de uma sala às escuras ou o odor e o toque de uma folha de papel.
É o progresso, dirão uns. É a vida, dirão outros. É uma pena, digo eu!

HSC

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Era uma vez uma ceia...

Deliciem-se com a minha idiotice, que eu também já me diverti. Hoje acordei sem me lembrar que era sexta feira. Decidi ir ao Corte Inglês comprar umas guloseimas para "o que desse e viesse" da passagem do ano. Estranhei ver muita gente e pensei cá para comigo que seria a tradicional troca de presentes natalícios. E, talvez por isso, lembrei-me da decisão que havia tomado, de todos os presentes que me quisessem dar nesta época, serem destinados à Liga Portuguesa Contra o Cancro, em nome do Miguel. Assim, não haveria, nunca, razões para trocas...
Todavia a afluência pareceu-me excessiva para uma sexta feira às 13:00. Foi quando um cartaz a dizer "black friday" iluminou o meu espírito e tudo se tornou claro. Aquelas pessoas iam, sim, em busca de compras a preços mais baratos. Nunca tinha assistido a esta importada tradição e pensei fugir. Mas, atendendo que havia decidido entrar no espírito de "deixar correr", lá me meti na barafunda e acabei a fazer umas mercazitas.
O pior é que já não tive coragem de ir ao supermercado abastecer o frigo e nem quero pensar que lá poderia ter de voltar amanhã. Como não creio que o faça, algo me vai acontecer na passagem do ano que pressagia ou uma magra refeição sem guloseimas para mim e para queles que se me juntarem, ou então, alguém vai ter que preparar uma ceia a preceito!

HSC

Família


Pronto, terminou o meu Natal e com ele começará o meu renascimento. Como sempre, há décadas. 
Estive rodeada dos meus, envolvida de carinhos do filho, da cunhada, do neto mais velho, do mano mais novo, dos sobrinhos e dos filhos destes. A nossa família é assim. Gosta de afecto, de se anichar no colo mais próximo, de dar beijos e abraços, de rir e da bagunça das crianças. 
Matei saudades de cada um, estive agarrada ao meu neto que apesar dos seus 20 anos, gosta das ternuras da avó e senti que sem os meus não seria jamais quem sou. 
Agora virá, com o fim do ano, a vez dos amigos. E, no intervalo, também um pouco do silêncio do qual careço para equilibrar estas explosões familiares. Ainda não sei exactamente o que me apetecerá fazer. Gosto, neste tempo, de ir um pouco ao sabor das ondas, de aproveitar o inesperado, enfim, de apreciar a espuma dos dias!

HSC

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Downton Abbey for Text Santa - 2ª Parte


Aqui fica a segunda parte. Espero que se divirtam tanto como eu. Saber rir de nós próprios é um principio de sanidade mental indispensável!

HSC

Downton Abbey for Text Santa - 1ª Parte


Para quem, como eu, se delicia com a série Downtown Abbey aqui fica a primeira parte de uma paródia que os seus actores fizeram para a Text Santa uma iniciativa que visa suavizar, no período natalício, a vida daqueles que menos têm. É uma prenda especial para todos os que me lêem!

HSC

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Natal

Eu sei que o Natal não tem o mesmo significado para toda a gente. Mas é para quase todos nós uma festa de família. E isso é quanto basta para que, de algum modo, possamos sentir-nos unidos uns aos outros nesta data.
Por mim recordo a ansiedade pelos presentes quando criança, o amor imenso dos meus avós pelos netos, a ternura dos meus pais e dos meus irmãos e a alegria dos meus filhos. Tudo isto vivido, às vezes, com alguma dificuldade para satisfazer os horários dos almoços e jantares da familia de origem com os daquela que, por escolha, se havia tornado nossa. Lembro ainda os amigos e as amigas que por estarem sozinhas sempre agregámos aos nossos festejos.
Tudo este "cerimonial" se repetia até ao Natal em que a nossa Mãe faleceu. A partir daí eu passei a ir para neve com o filho mais novo, já que o mais velho considerava o sky pouco compatível com o ideário comunista. E assistimos, assim, à missa do Galo em várias línguas.  
Quando o Miguel saíu do PCP muita coisa mudou na vida dele. Uma delas foi ir para a neve. Nunca mais quis outra coisa e a reunião da familia passou a fazer-se nos Reis. Até há sete anos, data em que decidimos retomar o Natal em Portugal e tentar sentir que ainda estão connosco aqueles que já partiram. Não é fácil, mas vai sendo possível.

A todos os que me lêem desejo que a reunião familiar seja um meio de estarem todos mais próximos uns dos outros e que essa oportunidade possa ser muito bem aproveitada!

HSC

sábado, 20 de dezembro de 2014

Uma vez mais!


Desta feita a sessão de autógrafos foi nos CTT de Aveiro, terra pela qual nutro especial carinho. Se descrevesse, como devia, a forma como fui tratada, correria o risco de julgarem que estava a ser exagerada.
Não posso, todavia, deixar de referir a alegria, a boa mesa, a música ao vivo e as fotos. Duvido que se pudesse receber melhor alguém que apenas escreve. Quando me mandarem as imagens hei-de mostrar-vos só os manjares para vos fazer roer de inveja. E sei que não é só comigo. Outros autores poderão dizer da instituição e da sua gente, exactamente o mesmo. Merece os mais sinceros parabéns a excelente equipa que tão bem trata de nós.
No meio de tudo isto - não há coincidências - encontrei duas primas saídas de família bem chegada e que, afinal, não conhecia. Para quem como eu, do Natal tem, sobretudo, tristes recordações - a morte da minha Mãe - estas sessões, que são naturalmente muito cansativas por obrigarem a percorrer o país, com ida e retorno no mesmo dia têm, contudo, um reverso de ternura que suaviza muito aquela mágoa que a ausencia dos que já partiram me traz sempre nesta altura.

HSC

segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Viuvez




“...Viuvez de homem parece mais difícil de suportar que a de mulher. Não que a mulher não sofra igualmente; a diferença é que elas "se adaptam" melhor, digamos assim. A mulher tem intimidade mais visceral com a vida e com a morte. Elas não só dão a vida; estarão sempre mais próximas dos doentes, darão a mão aos moribundos e, nos velórios, estarão mais junto ao morto. Os homens são mais desajeitados numa trajectória que vai do ato de carregar um bebé ao de aproximar-se do caixão de um defunto. Acresce que, até pela evidência estatística de que é mais frequente os maridos morrerem primeiro, as mulheres como que estão mais "preparadas" para a nova situação. "
"...O almoço solitário, em casa, o travesseiro vazio ao lado, ao despertar, a falta da companheira no sofá, diante da televisão, compõem um cenário que não parece real, não pode ser verdade...”

Roberto de Pompeu Toledo
O brilho do bronze in Revista Veja de 10/12/14


Já aqui tenho falado, várias vezes, da necessidade de encarar e preparar a morte com a naturalidade que ela merece, até porque é a unica certeza que verdadeiramente possuimos na nossa existência.
Pompeu Toledo escreve um belíssimo texto na sua coluna na revista brasileira Veja, a propósito de um livro recentemente saído que aborda o tema. O excerto que reproduzo acima, retrata uma realidade sobre a qual nunca me tinha debruçado com particular atenção, mas que me parece bastante autêntica. De facto, o viúvo está, por norma, menos bem preparado para o desaparecimento da companheira do que esta para a perda do marido. 
Acredito que os solteirões empedernidos olhem para estas linhas e não as compreendam já que sempre viveram sozinhos. Mas para todos aqueles que partilharam a sua vida, durante anos, com alguém, elas soam com uma terrível ameaça.

HSC

Os íntimos e os próximos



Perguntaram-me há pouco tempo o que era, para mim, a intimidade. Respondi que a palavra implicava uma habilidade pessoal para ter coisas em comum.
Mas fiquei a matutar no assunto e acabei por dar comigo a distinguir entre “íntimos” e “próximos”, que são conceitos muito diferentes. De facto, tenho vários próximos – por educação, gosto, admiração – mas íntimos tenho muito poucos. Talvez mesmo só tenha dois e com um tipo de intimidade diferente com cada um deles!
A intimidade é um sentimento que se cultiva, que se aprofunda e que em certos momentos quase se torna como uma espécie de extensão de nós próprios.
É complexo definir intimidade . Ela varia de relação para relação e pode, inclusive, num mesmo relacionamento, ir tomando aspectos diversos ao longo do tempo.
Os meus filhos foram e são os meus mais próximos, mas não são os meus mais íntimos. E, pensando bem, creio que a intimidade, no sentido que lhe atribuo – a nudez da alma de um face a outro - não deve ser a tónica mais importante do sentimento que une pais e descendentes. Todavia muitos acreditam que esse sentimento comporta uma forma de intimidade emocional. Mesmo que assim seja, a própria natureza da relação pais/filhos impõe certos limites, que levam a que nenhum dos membros do binómio se desnude inteiramente face ao outro. Nalgumas famílias o fulcro é, diz-se, a intimidade intelectual, a familiaridade de interesses comuns. No entanto, aqui, a diferença geracional também pode ser factor inibitório.
A maior parte das vezes, julga-se que a intimidade está ligada ao sexo, pelo que o desejo mutuamente satisfeito e os eventuais sentimentos de afecto daí decorrentes, podem ser confundidos com ela.
Noutros casos a intimidade manifesta-se sob a forma de momentos partilhados. Porém este tipo de partilha é comum também aos que nos estão próximos.
Assim, parece-me que a intimidade nasce em primeiro lugar daquilo que nós estamos dispostos a partilhar com os outros e depois da escolha desses outros. Ora é na diferenciação deste binómio que irão colocar-se aqueles que são íntimos e aqueles que são próximos.


HSC