terça-feira, 26 de agosto de 2014

A banalidade como forma de vida


Estamos a viver um tempo de anestesia colectiva, a que a internet, as redes sociais, os noticiários e a televisão dão ampla cobertura. Já nada nos surpreende ou escandaliza. E, mais chocante ainda, é que em lugar de vivermos a nossa vida, estamos permanentemente a viver a dos outros, que a publicitam sem qualquer pejo ou mesmo enquadramento ético. Hoje tudo é importante e nada é acessório.
Somos uma sociedade narcísica na qual a noção de privacidade ou de intimidade deixou de existir, na medida que tudo se "partilha" seja via revistas cor de rosa, instagram ou facebook.
Até o fenómeno das selfies, o último grito da moda, vem confirmar que a câmara se vira para nós, como se o mundo ou os outros fossem coisa do passado, transformando o próprio fotógrafo no objecto da fotografia.
A palavra “eu” vai-se, assim, sobrepondo à palavra “tu” e à palavra “nós”, fazendo da banalidade o principal motor da sociedade em que vivemos e tornando cada vez mais difícil não só um olhar sobre quem somos individual e colectivamente, mas também sobre o que é verdadeiramente importante na nossa vida.
Confesso que não sei o que terá provocado esta busca incessante da banalidade. Acredito que a globalização lhe não seja alheia, com a importação de modelos que pouco ou nada têm a ver connosco, mas que passaram a fazer parte do que chamamos de modernidade.
Creio, igualmente, que a necessidade de nos tornarmos europeus – perdendo especificidades de que, parece, nos envergonhamos – tenha também a ver com o assunto. 
Mas, na base de tudo isto, o que julgo estar verdadeiramente em causa é um abandono da procura da excelência e a aceitação da mediocridade como uma forma de existir.

HSC

Nota: A inspiração para este post deve-se ao excelente texto que Pedro Correia escreveu no Delito sobre o assunto.

19 comentários:

Raúl Mesquita disse...

Cara Helena:

Os programas escolares não são exigentes pelo mundo fora (pelo menos aquele que conheço), os media invadem a privacidade, manipulando as preferências e as consciências, colocando acima da excelência, como a Helena diz, o look e a excitação de ver horrores no ecrã. A culpa é toda da população? Não creio. As maiorias são sempre (a História mostra-nos) medíocres, receptivas. O Poder aproveita-se disso para acrescentar o mesmo, mais Poder, a si mesmo. Para quê? Por pura vaidade. Deve saber bem a um magnate entrar num restaurante/clube e saber que nesse dia ele é o homem mais rico do mundo. Claro que para alguém esclarecido isso não é nada, mas para ele, que é um medíocre rico, é tudo!

A & B

Raúl.

Anónimo disse...

Ó dra boas noites! Que letra minúscula! Mázinha,a fazer-nos sofrer!


bea disse...

Drª, esta letrinha é muito má para míopes.

Adiante. A excelência, tal como a entendo, chama-se disposição para o trabalho, perseverança crente no esforço pessoal para trabalhar bem – o meu pai diria trabalhar com brio -, certeza de que o que se quer dá sempre muito e aturado trabalho. A excelência é esta busca insatisfeita da vida toda e que a morte, em geral feita desmancha prazeres, interrompe. Posto isto, a banalidade é tão insípida que quase me parece inumana. E depois há nela um exibicionismo que cansa. Ora bolas, esta gente nem sabe ser feliz nem nada. Que. Pronto. Não consigo acreditar que se sinta na imediatez o que se ganha com o tempo gasto em esforço para… Aprendemos que é o caminho que importa porque vezes há em que não se chega ou nem tal é necessário; mas o mundo inteiro anda a encontrar forma de chegar sem o tempo do caminho. Isto não pode dar bom resultado. É que nem se tem o mesmo prazer.

Isabel Mouzinho disse...

Haverá uma multiplicidade de factores a contribuir para isso, mas o seu último parágrafo refere duas questões essenciais: há, cada vez mais, um permanente "encolher de ombros" perante tudo e vai crescendo a ausência de valores e de momentos de silêncio e de reflexão; tanta coisa...

(É excelente o texto do Pedro, sim, como de um modo geral toda a série "Penso rápido")

Um beijinho :)

Anónimo disse...

E não seremos nós cúmplices dessa mediocridade?...Penso tantas vezes nisso e receio tanto isso:(

Anónimo disse...

Boa noite Senhora dra,o seu Gralhas acha que há um que a mais na Nota.Será?!
É o mundo das tecnologias...eu não tenho nem face nem instan.Sou um "bicho do mato".Bom ser assim.
Gralhas

Helena Sacadura Cabral disse...

Caros comentadores
Eu escrevo com o chamado tipo "normal" de letra Arial.
Mas os meus comentadores podem "visualizar" o que escrevo com o tamanho que quiserem. No Mac, que é o que uso, é só ir a visualização e ampliar ou seleccionar tudo e escolher tipo e tamanho de letra.
Nos PC não sei, mas deve ser semelhante.

Virginia disse...


É verdade que a banalização - diria mais, a estupidificação - é gritante nos media, nas revistas, nos eventos que por aí se apregoam a torto e a direito e conseguem juntar milhares de pessoas que se queixam de não ter dinheiro, no nível das conversas fortuitas que se ouvem nos telemóveis e nos autocarros, nos programas da Escola impostas pelo ministério para obter bons resultados, etc.etc.

Mas felizmente ainda há luar....

Ana disse...

Portanto, estávamos na procura da excelência e caminhamos para a mediocridade? Parece-me uma coisa ao estilo "antigamente é que era". Se há coisa de que não nos podemos gabar (nós, seres humanos) é de já termos sido "melhores" do que aquilo que somos hoje...
E não acho que a mediocridade seja apenas resultado de uma escolha mas também da educação. A ignorância é talvez o maior empecilho de todos.

Unknown disse...

Querida Helenamiga
Concordo com a minha prima Vergininha.Sou jornalista, como sabes, mas tento não ser estúpido. O que nos dias que correm é cada vez mais difícil, mas não podemos desistir.

Não sei se escrevo bem, se escrevo mal. Mas duma coisa estou certo: nunca me vendi. Vendi, sim, a minha força de trabalho mas ao patrão que me pagava.

Mas nesta época em que para ser burro só faltam as asas, é preciso continuar a ser honesto e vertical. É o que é a minha forma de vida.

Qjs

Helena Sacadura Cabral disse...

Mãe sabichona
As palavras são suas. Eu não disse que antes era melhor. Não fiz análise comparativa. Limitei-me a analisar o presente que não a vi desmentir. Com este presente estamos a comprometer o futuro dos nossos filhos e é isso que eu lamento. O que se fazia antes está feito. Não se pode mudar. Mas podemos mudar o hoje e o amanhã se estivermos interessados nisso!

Ana disse...

Possivelmente interpretei mal, mas foi isso que deduzi. A mediocridade e a excelência sempre estiveram par a par, a coexistir, e do meu ponto de vista assim vai continuar por sermos imperfeitos. Isso não quer dizer que considere aquilo que descreve algo positivo, daí não desmentir, mas não considero que a base fundamental que o explique seja o que refere na última frase. Estamos de acordo com o que se pode mudar hoje e para isso não vejo outra forma senão investirmos todos na educação.

Virginia disse...

Em adenda ao que escrevi - e o meu Primo Henrique acrescentou - penso ser radical demais reduzir o povo português a uma massa medíocre e sem talento nem ambições.
Há sempre flores nos cardos e sei de muitos exemplos de indivíduo/as excepcionais, elites inteligentes e que não se deixam subornar.
São poucos? Talvez porque a escola de massas, os media de massas, as redes sociais de massas só revelam a mediocridade geral.
Mas há luzes ao fundo dos tuneis e acredito que estamos melhor do que dantes. Muito melhor!

Anónimo disse...

Excelente texto de Pedro Correia, que aqui nos deu a conhecer!
P.Rufino

Anónimo disse...


Bom dia Helena!
Já tenho falado de si ao meu irmão, quero que ele veja este texto, a sua reflexão é a dele!
O meu irmão é activista luta contra todas as injustiças, contra o poder, um poder que nos contamina com o mais de negativo que temos em nós. Por isso cada vez mais temos uma sociedade narcisíca, é o "salve-se quem puder" sem olhar a meios, sem olhar ao outro, a banalidade instalou-se em tudo...até no casamento!!!
Tenho pena que isso aconteça, sou
antogonista a esse poder sem escrúpulos.
Na minha impotência de ser humano vou fazendo o que a minha consiciência dita, mas com valores que creio que são os mais correctos.

Helena 2 dos seus livros fazem parte dos 4 que tenho na mesinha de cabeceira, admirava-me quando ouvia o Rebelo de Sousa dizer que lia 3/4 livros ao mesmo tempo, já consigo fazer o mesmo.
Revejo-me em muitas das coisas que diz e escreve nos seus livros, dá-me respostas aos meus porquês, às perguntas que faço a mim mesma,são inspiradores algo que só uma pessoa bem vivida que passou por elas, sabe como tocar no outro.
Entendo porque odeia a politica, também tenho algo que odeio ( uma ciência que me roubou o tempo, já me deu anos de solidão.
Em tempos um amigo meu disse, o problema dos... são as mulheres ou elas se conformam ou abandonam o barco, esta ciência absorve as pessoas como a politica.
Perde-se a cumplicidade que tanto desejamos, o disfrutar o outro em prol de um gosto individual...
Segundo Coimbra de Matos quem não consegue compreender, entender a pessoa que têm á sua frente, não têm capacidade de transformar o outro e a si mesmo...

" O que aprendi com a minha mãe"

Harmonizar
» Quando estiver diante de um problema, pare, pense, escute, analise a situação, tente conciliar razão e emoção, e chegará a uma resposta...»
M.Mendes

Carla


Anónimo disse...

Boa tarde

Não me parece que se trate de algo melhor ou pior do que no passado, pois, quer no passado, quer no presente há atitudes e comportamentos louváveis.

A banalidade actual é excessiva, a falta de comunicação entre as pessoas é muito actual e contrasta ironicamente com a vasta existência de meios de comunicação actualmente disponíveis.

As pessoas bebem textos e discursos civilizados e altruístas, proclamam-nos, numa necessidade de provarem a quem os vê e a quem os ouve que aquela é a sua natureza, mas, no mesmo instante, comportam-se e tomam decisões centradas unica e exclusivamente nos seus interesses mais imediatos.

O egoísmo é, internacionalmente, avassalador. E ninguém gosta de reconhecer que, por vezes, é mesmo egoísta, vingativo,imparcial, bronco. Como se isso fosse uma doença que o distancia da espécie humana, por isso, há que nunca admiti-la ou associá-la a si próprio. Consequentemente, a possibilidade de se mudar e/ou se corrigir o que está mal vai se tornando cada vez mais longínqua.

Mas, isto não veio do nada. Tudo isto é uma consequência.

Uma consequência da educação que se recebeu em casa, uma consequência dos "modelos" que a escola e os meios de comunicação (informativos e de entretenimento) nos foram apresentando ao longo dos anos, uma consequência dos "exemplos" dados na sociedade como casos de sucesso, uma consequência de os postos de trabalho cruciais para a vida das comunidades em geral serem entregues, não por competência e mérito, mas por se "dever um favor" ou pela "cunha".

De certa forma, acabámos todos por contribuir um pouco para os fenómenos sociais actuais.

Acredito que estejamos a chegar a um ponto de explosão. Há quem já procure, antes de agradar aos outros, definir-se e aceitar-se como pessoa que é e tentar encontrar o seu lugar no meio da confusão, por vezes bem interessante, em que vivemos.

Pessoalmente, não consigo (ainda)largar estas novas tecnologias, admito que já arranjei alguns dissabores que preferia ter evitado ...

Cumprimentos
Cláudia

Anónimo disse...

Embora a palavra selfie seja 'narcísica' a verdade é que, em geral, as selfies registam momentos em grupo.
Não sinto que se vivam hoje, mais do que em outras épocas, momentos de banalização, mas sim um individualismo exacerbado, em que tudo faz com que cada um acredite ser o centro do mundo.
Isso tem aspectos positivos e negativos. Por um lado a capacidade de se individuar (de se auto-conhecer, de pensar livremente, sem depender da carneirada) é positiva, por outro, ficar indiferente ao que se passa com os outros, é uma decadência máxima e uma total alienação.
Quanto à banalização, atingiu a sua expressão máxima nas sociedades totalitárias, como muito demonstra Ana Arendt.
No entanto a palavra banalização pode ter vários sentidos, entre eles o de vulgarização, que me parece um conceito muito elitista e até snob.

Anónimo disse...

o que me 'perplexa' sobretudo é uma degradação afectiva; da própria auto-imagem que os individuos pertencentes às mais recentes gerações demonstram. não sei se me faço entender.
é toda uma classe de novos soldados que desaprendeu, prescindiu de valorar, entesourar as coisas que tradicionalmente tinham algo de sagrado ou tabu. de uma forma que remete quiçá para um abuso do próprio corpo. banalização da violência e sexo.


gosto de acreditar que existem boas razões de economia afectiva por trás disto. hoje, um ser humano dispõe de tal poder sobre a matéria, principalmente sobre a forma de informação e acesso a quantidades infinitas de dados. quer dizer a projecção de poder intelectual entra em desfasamento que pode ser auto destrutivo com o próprio 'equipamento de série' com que nascemos, o bom e velho corpo. sair desta equação perigosa é talvez o objecto de tanto experimentalismo, tentativa, desenraizamento, abuso, limite. de fora não parece ser senão desorientação.

Anónimo disse...

É urgente banalizar os ídolos com pés de barro.
Não gosto de comentários queixosos, do tipo 'ai hoje isto é tudo uma desgraça!'. São tão banais como aquilo que criticam.
É importante isso sim, entendermos a nossa época em toda a sua densidade, no que tem de boas raízes culturais, mas tb de raízes atávicas para deitar fora, no que tem de novo e de promissor, mas tb de terrível e monstruoso.
Excelência tb pode ser um conceito subjectivo. Pode existir excelência num prato Alentejano, 'pobre'e mediocridade num sofisticado e 'caro' prato 'gourmet'. Os conceitos de excelência marcados pelos gostos de uma classe privilegiada, hoje não servem, são como roupa muito apertada, estão desadequados, e cada vez mais as máscaras vão caindo.
Onde estão as elites que serviam de inspiração à cultura de massas como as novelas, as revistas, etc.? Estão encharcadas em corrupção, conspurcadas e feias.
Para mim as elites são as figuras culturais que admiro, mas isso não é aquilo que é difundido para as massas. Essa minha admiração exigiu-me e exige-me esforço. As elites culturais perderam valor social, para os famosos sem obra, o dinheiro e o poder, o status e as aparências.
Ou talvez as elites culturais nunca tenham tido a projeção que eu pensava.
Usar o telemóvel para fotografar é uma democratização da fotografia, maior ainda do que o aparecimento em décadas passadas da máquina fotográfica barata. Cada foto não é, nem tem de ser, uma obra-prima, mas é significativa, do ponto de vista afectivo, para quem a regista.
Selfie deriva de self e não de ego, é uma busca mais profunda a procura do nosso self. É importante encontrarmos o nosso self, nesta lixeira em que estamos soterrados. Talvez a selfie possa ser 'o espelho meu, espelho meu'...
Os artistas plásticos que se auto-representam de forma ficcionada, como Cindy Sherman, usam este conceito. Já Rembrandt o fazia.
Existe hoje mediocridade, sim existe, e de que maneira, mas não me venham dizer que isso é só do presente.
Sempre existiu muito lixo visual, literário, cultural. O que se passa hoje é que esse lixo foi 'lançado no ventilador', está mais à vista, saiu de baixo do tapete das aparências. Isso é bom ou é mau? Pelo menos vê-se e pode ser reciclado. Essa reciclagem é que não se faz, isso não.