domingo, 24 de agosto de 2014

A angústia do desemprego

Há dois temores a que a maioria dos seres humanos está sujeito. Um, a falta de saúde. O outro, a falta de meios. Um terceiro, o desemprego, acabaria por se tornar num medo visceral nestes últimos anos. E quando falo da falta de trabalho, refiro-me também àqueles que tendo deitado corajosamente mão ao que lhe apareceu para sobreviverem, não estão de facto a exercer as funções para as quais foram preparados.
Tem sido um ciclo vicioso que acaba por fazer rupturas entre as gerações, julgando os mais novos que não encontram labor porque os mais velhos não abandonam as suas funções. E as recentes medidas de prolongamento da idade da reforma, deste ponto de vista, estão longe de ajudarem à resolução do problema.
Ora ninguém consegue viver com uma parede de fundo de medos e ansiedades acumuladas. Talvez por isso, os períodos de crise sejam também aqueles onde se revelam melhor as capacidades individuais. Com efeito, passados os primeiros tempos de angústia, é surpreendente ver como certas pessoas são capazes de dar a volta aos problemas e se lançam em projectos nos quais jamais teriam pensado se a crise lhes não batesse à porta.
Claro que ser jovem facilita muito este tipo de atitude, até porque os parcos apoios que existem - financeiros ou não - são, sobretudo, vocacionados para a juventude e não para aqueles que, aos 50 anos, se vêem desempregados. Estes terão, talvez, que passar a olhar para si de outro modo e a não se sentirem menorizados por virem a exercer funções que possam ser hirarquicamente inferiores àquelas que já desempenharam.
Servindo-me de um exemplo "menor", lembro o caso do actual Ministro dos Negócios Estrangeiros francês que já foi Primeiro Ministro. E, apesar disso, não deixou de aceitar o presente cargo que lhe está abaixo. Assim, pode acontecer que um director passe a ser dirigido sem que, por esse facto, tenha de sentir-se humilhado.
Eu sei que, por norma, não é assim que pensamos. Mas face ao momento que atravessamos, julgo que vale a pena meditar um pouco nisto.

HSC

18 comentários:

Dalma disse...

Bom conselho, não nos importarmos de " descer um degrau"!

Anónimo disse...

Foi a primeira vez que um post seu me desapontou. Realmente as dificuldades não são iguais para todos e é nestes pequenos "pensamentos" que vemos quem realmente desespera e quem pensa que compreende.

Raúl Mesquita disse...

Cara Helena:

Easier said than done…

Raúl.

Anónimo disse...

Essa é uma história bonita mas o desemprego é mesmo um drama real!

Helena Sacadura Cabral disse...

Anónimo das 14:21,
O post pode desaponta-lo mas quem o escreveu já soube o que foi ficar desempregada com dois filhos para criar.
Sobrevivi, muito mal, à custa de explicações. Portanto, não se trata de "pensamento", trata-se da dura realidade que os outros pensam que só acontece com os próprios.
E quando, um ano depois, encontrei trabalho, dissera-me que tinha excesso de habilitações. Sei, por isso, do que falo...

Helena Sacadura Cabral disse...

Til e Raul
Leiam a minha resposta ao Anónimo das 14:21 e perceberão que não falo "de barriga cheia"!

Anónimo disse...

Til não se fez entender...Til fala de ´barriga cheia´ mesmo, porque nunca se viu numa situação de desemprego.Não era uma crítica.Apenas um simples comentário.
Um beijinho para a Helena*

Virginia disse...


Nos anos 80 houve uma crise terrível de desemprego no Reino Undo, devido ao apertar do cinto da Senhora Thatcher. Li muto sobre o assunto, lembro-me que o numero rondava os 3 milhões de pessoas, o que era impensável em anos de aparente folga.
O que se passa no nosso país é uma consequência tardia do esbanjamento que houve nos anos transactos. Sem querer repetir o que já foi dito, os anos socráticos foram de desperdício total e provocaram - eles e a crise internacional - uma situação que é irreversível. Simultanea e erradamente as universidades continuaram a angariar alunos para cursos sem futuro, como era o meu. Preparei professores que nunca o viriam a ser e já na altura sentíamos estar a viver numa fraude com que o ministério da Educação pactuava, pois tinha vantagem nos resultados!!

Os pais às vezes também são temerosos e não deixam os seus filhos experimentar novos caminhos, trabalhar durante as férias, fazer voluntariado em países exoticos ou mesmo no nosso. Os jovens não têm experiência laboral nenhuma, não aceitam certas tarefas, preferem viver em casa dos Pais e esperar que o emprego lhes caia do cèu.
É verdade que há muitos professores que deveriam deixar o ensino e dar lugar aos jovens, mas o dinheiro do Estado não dá para tudo!
Felizmente não sei o que é ter desemprego na família, mas a minha filha só ganha porque trabalha para mim e comigo na editora. Curiosamente ela tem mais habilitações que eu neste campo.

TERESA PERALTA disse...

Querida Helena
Quando essas experiências nos encontram, não tenho dúvida de que o melhor remédio é subscrever aquilo que aqui refere. Isto é, enfrentar e aceitar, sem revoltas e rancores, o resultado do esforço que fizemos para resolver esses problemas. Caso contrário, arruinamos a nossa saúde mental, que é o bem mais precioso que possuímos na vida.
Beijinho :)

Anónimo disse...

desculpa, a comparação que faz é entre primeiro ministro e ministro de uma pasta? oh...

Anónimo disse...

Realmente, esse ministro dos negócios estrangeiros é um exemplo dos diabos. Este não parece um post seu, de facto.

Anónimo disse...

É desmotivante quanto as empresas chamam as pessoas às entrevistas só porque sim! Na realidade ja têm a pessoa selecionada. As dificuldades no labor sempre existiram, claro que sim. Os obstaculos para se ocupar um lugar era... duro e tinha-se que provar por merito... Hoje só temos que conhecer o Sr.CUNHA ou a Sra. CUNHA! :(
lucia

me disse...

Cara Dra. Helena,

Não me importo nada de arregaçar mangas e abraçar uma função "menor" que a que tinha e deixar de dirigida.

Nem me importo de baixar o ordenado para um terço ou um quarto do que ganhava... mas infelizmente não consigo transpor a barreira do envio de cv's direccionados, acompanhadas de cartas bem escritas/apelativas.

Os 42 anos não ajudam, dizem...

Infelizmente somos muitos os licenciados, pós graduados, mestres... e sem qualquer contacto facilitador (nem falo de cunhas).

Neste momento, penso, já não passa por não querer baixar a "patente" ou o ordenado...

Bjinhos

Antonieta Barona disse...

Esta mentalidade está dificil de ser bem aceite , ainda, em Potugal. Mas já há alguns casos, felizmente.

Anónimo disse...

Cara Helena, não posso estar mais de acordo consigo. Talvez o caso exemplo do ministro não seja o melhor porque o que as pessoas pensam de imediato é que ele terá passado de uma posição de excelência para uma muito boa. Desceu mais na escala do orgulho se calhar do que outra coisa. As pessoas que seguem o seu blog serão porventura de alguma maneira preparadas, modernas com um certo nível de educação/instrução mas que vivem num país com uma elevadíssima percentagem da população activa com educação média ou superior a viver abaixo do "mediozinho". O caso do ministro não representa portanto um caso comum ou popular, mas percebo onde quer chegar.
A si percebo, ao governo não e à nossa classe política também não. Nunca desacreditei tanto nas pessoas que um dia pensaram saber governar.

Anónimo disse...

Boa tarde,
A srª citou que "Talvez por isso, os períodos de crise sejam também aqueles onde se revelam melhor as capacidades individuais." No geral não acontece, á excepção de alguns nichos e individuos - as excepções. Na realidade, as pessoas são diferentes, e quando uma crise disponibiliza apenas saídas em alguns sectores escassos, se é verdade que algumas pessoas que não se não se enquandram profissionalmente nesses sectores, têm ideias e conseguem dar a volta de alguma forma, também é verdade que muitas outras simplesmente não conseguem. E esta é a grande maioria. Porque é da sua natureza, porque podem ter capacidade de fazer coisas boas, mas não tem simplesmente capacidades perante este problema especifico, nao conseguem criar um negocio inovador ou uma idea para sobreviver á crise. E tudo isto em tempo imediato, sem margem para falhar. Então, essas pessoas passam a ser inferiores aos outros de certa forma...são os que não são empreendedores, os que são obrigados a emigrar (atenção eu considero a emigração algo positivo - mas SÒ se a pessoa de facto o desejar, senão, considero exilio), e por aí fora, ou ficam desempregados. Um pais em crise como este inviabiliza a diversidade, e a propria criatividade é ameaçada pelo risco. alguns podem ter ideias mas "e se depois não rende?" É um paradigma a precisar de ser mudado e enquanto não floresce outro modelo, claro, eficiente e sustentável, e diversificado, as pessoas que não conseguem ter ideias vão ser escorraçadas das suas proprias vidas porque até podem ter alguns talentos, mas não alimentam a máquina enferrujada da escassez, e porque simplesmente não conseguem arranjar formas rentáveis de ultrapassar e sobreviver. Alguns conseguem, e os outros tão dignos de viver como os anteriores, irão perecer lentamente enquanto a estagnação dura.
"Ora ninguém consegue viver com uma parede de fundo de medos e ansiedades acumuladas." Pois não e concordo totalmente com a cara srª. Daí que após tentativas, luta, esforço, e eu passei de uma uma jovem mulher cheia de energia e sonhos para um resto pálido daquilo que fui, após muito esforço e anos de esperança e desilusão, a sofrer de doenças do foro psiquiatrico. E como eu, haverá milhões. A capacidade de lutar não dura para sempre, a resiliência, tal como nós, não é imortal ou infinita. Até o soldado mais forte precisa de paz. Somos humanos.

Manuela disse...

Bom dia, Helena Sacadura Cabral,tenho grande admiração pela sua postura, mas subscrevo as palavras do anónimo , que terminar o texto com, até o soldado mais forte precisão de paz...

Manuela disse...

Tudo dito!