terça-feira, 22 de julho de 2014

O silêncio das palavras


Todos os conhecemos esses silêncios que falam, encerrados num olhar, num gesto de ternura, numa mão que limpa uma lágrima, num abraço forte que se dá ou recebe e que mais não são, do que formas de dizer a uma pessoa que a amamos e que não queremos vê-la sofrer. Ou, também, que ficamos felizes com a sua felicidade.
Sendo a palavra o meio de comunicar por excelência, o facto é que este tipo de gestos contem, dentro de si, um mundo de silêncios que se sobrepõe a tudo o que poderia ser dito por palavras.
Quando nasceu o meu filho Miguel, eu não fui capaz de dizer nada. Tê-lo no meu colo depois do seu primeiro grito, olhá-lo depois de o trazer nove meses dentro de mim, só foi compatível com gestos de ternura. Levei muito tempo até me sentir capaz de exteriorizar o que me ia na alma. Tudo o que eu tinha para dizer, estava ali contido no meu olhar. 
A família vozeava as parecenças com o pai, com o tio, com a avó. Eu nem sequer lhes dava atenção. Apenas queria ter o meu filho nos meus braços e, em silêncio, poder garantir-lhe que, para sempre, eu estava ali.
Mais tarde, na minha vida, outros silêncios haviam de falar mais alto do que as palavras, quase sempre ligados às alegrias ou às dores dos meus ou daqueles que me estão próximos. 
Todos os que me lêem sabem a mágoa que tenho de ter tido marido e filhos na política. Ela destruiu o meu casamento e não destruiu o resto porque, a tempo, percebi que o meu silêncio sobre certos assuntos, era o maior apoio que lhes poderia dar. Ou, quando tal fosse impossível, que, pelo menos, o discurso fosse neutro e o humor tornasse a palavra mais suave. Foi assim que geri - e continuo a gerir - durante cerca de cinquenta anos, o profundo sentimento que sempre nos uniu, privilegiando mais o gesto de ternura do que a palavra racional. 
Foi, afinal, toda uma aprendizagem de vida que lhes fiquei a dever e que, de algum modo, fez vir ao de cima, o que terei de melhor!

HSC

10 comentários:

maria isabel disse...

O silêncio são palavras mudas que enquanto mudas podem ser meigas, ternurentas.Quando ganham som muitas vezes perdem a beleza e deixa uma saudade porque nos apercebemos que as palavras mudas eram apenas ilusão.
Revejo-me no seu lindo post

Anónimo disse...

Helena, sempre tive dificuldade em exteriorizar os sentimentos, depois de perder o meu pai, já morto disse-lhe tudo aquilo que não disse em vida, que o amava, beijei-o como numca tinha beijado, sabe que numca lhe dei um abraço?
Fiquei com tantos remorsos... depois descobri que tive outros gestos de ternura que mostravam o meu amor por ele, quando ia à minha casa cozinhava o que ele gostava, enfim caprichava sabia que ele ia adorar as minhas receitas, as minhas entradas. Como este tive outros gestos de ternura sem palavras... mas no fundo todos queriam dizer, amo-te!
Existem gestos q valem por mil palavras, no meu caso sinto que devia ter dito mais,o quanto o admirava...ficou esse vazio.
Hoje já sei exteriorizar os meus sentimentos, aprendi a fazê-lo num processo duro mas que deu os seus frutos...
Digo o que penso, se gosto aposto, necessito do toque,com a sua perda aprendi outras coisas que creio que sem ela não seriam possiveis, nas perdas tambem se ganham outras como fiz o meu irmão.
Tinha tantas coisas para lhe dizer.. revejo-me em muitas das suas palavras...

Carla

MargaridaValadas disse...

Admiro prefundamente este Blogger

Isabel Mouzinho disse...

É fantástica esta sua trilogia, Helena, do silêncio e da(s) palavra(s).
O assunto apaixona-me desde sempre. É que, no fundo, é na relação entre uma coisa e outra que reside grande parte da sabedoria e talvez também do encanto da vida.

Gostei muito!
Beijinho :)

Virginia disse...

As palavras deviam estar contidas numa caixa - como no jogo do Scrabble - e só sairem quando fizesse sentido. Infelizmente elas andam no ar sem nexo, quais moscas ou melgas pegajosas, estragando os momentos de silêncio, em que saberia bem só ouvir os sons naturais dos animais e das plantas.

Palavras leva-as o vento, mas quando não há vento , ela ficam por aqui e por ali, à toa , feitas tolas na ponte.

Se só tivéssemos um limite de palavras para usar todos os dias, a vida era mais bela....

Paula Ferrinho disse...

E quem faz essas escolhas tão acertadas, de silêncios tão terapêuticos e essenciais, só pode ter uma grandessissima inteligência emocional!!!!
Outro beijinho, Helena!!

Hélia Cruz disse...

Cara Helena,

Os gestos e olhares silenciosos são algo de muito intimo que por vezes nem há palavras para descrever o que se sente.

Só o faço a quem realmente amo ou sinto uma profunda amizade.

Subscrevo, mais uma vez tudo o que escreveu, salientando que não há palavras para designar o que sentimos quando se tem um filho nas nossas mãos. Ainda hoje o meu olhar se transforma quando os vejo.

Sempre com amizade.

Defreitas disse...

Um filosofo grego pediu um dia ao seu servidor Esopo , que não era menos filosofo que ele, (conhecido aliás pelas suas fabulas) de lhe preparar a melhor das refeições.
E Esopo serviu-lhe uma língua dizendo: - Com a língua pode se tornar feliz, pode-se adoçar a dor, aliviar o desespero, levantar os prostrados, inspirar os desencorajados, ajudar o seu semelhante.
Então, o seu mestre disse-lhe: - Muito bem, serve-me agora a coisa mais má, e ele imediatamente lhe serviu uma outra língua dizendo : - Com a língua pode-se amaldiçoar e partir o coração, pode-se destruir reputações., trazer a discórdia, a guerra no seio das famílias, das comunidades e das nações.
Em relação ao resto do corpo, a língua é mais pequena, digamos, mil vezes, mas que poder extraordinário em tão pequeno apêndice . Que veneno, que fogo inextinguível ! Indomável!

Anónimo disse...

Maria (publicamente anónima)
Parabéns Dr.ª Helena! Simplesmente maravilhoso.
Estas suas reflexões sobre silêncios e palavras...são, para mim, uma beleza (como outras com que nos costuma brindar). Uma escrita muito bem conseguida, tanto na forma como no conteúdo. Todos os seus textos nos ensinam e nos fazem pensar. Esta trilogia onde partilha algo muito seu, muito especial e de algum modo intimo, mostra bem a sabedoria e a inteligência a que já nos habituou. Ao reflectir sobe o seu passado e as suas experiências de vida, coloca a debate o que pode ser uma comunicação saudável e como é importante perceber os sentimentos do outro.
Por vezes há gritos que ninguém consegue ouvir. E silêncios não entendidos. É bom saber ver e ouvir.
As suas palavras dizem-me muito. Gosto de ler sobre estes temas. Acabei de ler um livro que tem como titulo “Silêncio” de Susan Cain. É o resultado de uma investigação e mostra-nos o que pode ser o poder do silêncio num mundo que não se cala. Para mim são temas que me levam a uma profunda reflexão sobre a vida e a função da humanidade, enquanto “vizinhos” neste condomínio global que coabitamos.
Tenha uma boa noite
Beijinho
Maria M

TERESA PERALTA disse...


Afinal também a comunicação verbal tem grandes limitações. As palavras devem ser contidas prestando especial atenção à experiencia silenciosa, que nos abre uma maior percepção para as manifestações sensoriais.
Eu, que em toda a minha vida, estive mais ligada à imagem do que à palavra comecei há pouco, e em grande parte com a Helena no seu Fio de Prumo, a tentar extravasar sentimentos por palavras. Noto que, muitas vezes, as mesmas saem um pouco descoordenadas, mas sei que a Helena tem muita paciência e que gosta de partilhar a sua sabedoria. Por isso, chegou a altura de lhe pedir desculpa por alguma coisinha....
Beijinho para si e ate amanhã