quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Desistir

Uma amiga perguntava-me, há dias, o que fazer quando alguém desistia de nós. Conhecendo o seu pragmatismo, a questão surpreendeu-me. Disse-lhe que sabia pouco - cada vez menos - da alma humana e portanto nada lhe podia adiantar. Com efeito, nunca desistira de ninguém, bem pelo contrário, o que talvez também não fosse de recomendar...
O que que sabia - isso sim - era como desencantar-me de alguém, o que não era bem a mesma coisa. Podemos levar anos a guardar um amor, a conserva-lo, a alimenta-lo e, de súbito, sem esperarmos, a vida colocar-nos na posição de vermos esse amor noutro ângulo, que sempre lá esteve, mas nós nunca quisemos descortinar. 
Numa comparação demasiado fácil, era como guardar durante bastante tempo uma flor que simbolizasse algo de muito importante e não dar pela passagem dos anos sobre ela e, sobretudo, também sobre nós. Um dia, sabe-se lá porquê, é necessário abrir a caixa e a flor está lá, mas quase reduzida a pó. E só nesse momento é que percebemos que o que guardáramos já não existia. Invade-nos, então, um misto de tristeza e de alívio, com o qual iremos fazer o resto do nosso percurso. E, eventualmente até, rescrever o passado e dar um novo valor ao presente. 
Disso, felizmente para mim, eu podia falar, porque fora uma utilíssima aprendizagem, que, no fundo, me tornara mais realista, mas me não azedara, porque fora resultado de uma escolha minha. Ao invés, quando alguém desiste de nós, não sendo nossa a escolha, deve doer bastante mais. Curiosamente, a minha amiga acabou por me dizer que, de modo indirecto, eu lhe havia respondido à pergunta!

HSC

11 comentários:

Helena Pardelinha disse...

Maria Pereira
Leio-a com assiduidade, aqui e na sua escrita literária, admiro-a muito como Mulher e Mãe. Nunca tinha comentado nada seu aqui, mas como hoje tocou aqui, numa "ferida" que em mim ainda "sangra"...sim! Assim me aconteceu há muito pouco tempo com uma "Amiga" do peito, que se afastou após eu ter pedido um pouco de ajuda: ( força anímica coragem e um ombro para me encostar, deparei-me com a resposta de que se achava que só eu tinha problemas!!!( foi-me diagnosticado um tumor cerebral, que ainda não consegui digerir ) Eu fiquei estupfacta e até hoje não vi nem tive mais contacto com essa pessoa, já la vão 3 mê
ses. Não sei o que se passou, não quero acreditar que há na nossa sociedade pessoas assim tão crueis e tão pouco solidárias com alguem que parecia ser tão proximo e importante...doi muito! Estou a sofrer muito por varias razões, mas talvez tenha que ser assim...desculpe o desabafo mas o tema que focou infelizmente assenta-me que nem uma luva...Beijinhos e desejo-le tudo que de bom a vida tem.

Filipe Campos Melo disse...

Existimos na inevitabilidade de um poema
No contraponto oposto de um canto
No contratempo de um andamento suprimido
Na constante inconstância de um caminhar

Enquanto inerte o tempo acontece deixando-nos para trás

(...)

Desistir é sempre uma impossibilidade
Mas como tornar visível um mundo a quem não o consegue ver?

cumpts

Virginia disse...

Compreendo bem a sua reação ao desencantamento, pois passei por situação semelhante. O facto de sermos nós a pôr um ponto final no processo é, apesar de tudo, menos deprimente. Ainda me lembro de uns dois dias depois de me ter separado do meu ex-, ter ido comprar umas flores secas para decorar o apartamento para onde fui morar e que comprara para os meus filhos ausentes na Alemanha com o meu dinheiro .
Quando vinha com as flores na mão, dei de caras com o meu ex- e sua mãe. Sorri e continuei. Isso mostra que no fundo, me sentia bem comigo própria e com a minha decisão. Nunca me arrependi de o ter feito e passados 10 anos, convenço-me de que foi o melhor.
Não quer dizer que não tenha tido momentos de dúvida e de "ressaca". Mas a minha solidão de moto próprio foi e é salutar

Anónimo disse...

Ce qui m'émeut si fort de ce petit prince endormi, c'est sa fidélité pour une fleur, c'est l'image d'une rose qui rayonne en lui comme la flamme d'une lampe, même quand il dort...

S-E.

n381111

Dalma disse...

Maria, não a conhecendo, obviamente, desejo-lhe de todo o coração que no Novo Ano encontre a solução para o seu problema de saúde. Quanto a esse alguém que se afastou use a minha máxima "só devemos gostar de quem gosta de nós" e deve levá-la à risca. É um desperdício de energia interior sofrer por que alguém nos abandonou! Há que reunir forças e concentrar-se em lutar pela sua saúde
Um abraço de solidariedade

TERESA PERALTA disse...

Eu também me considerava satisfeita porque, através do seu exemplo, tinha percebido aquilo que o tempo pode mudar em determinados sentimentos, resultando numa leitura e numa realidade bem diferente, do mesmo problema.
Afinal, a Helena tinha-me dado uma ideia, importantíssima, que passava por acreditar e ter esperança em dias melhores...
Aqui vão mais abraços para si

Helena Sacadura Cabral disse...

Caras Teresa
Não sei, depois de ler o seu comentário, se me terei feito entender bem.
O que pretendi dizer é que nunca desisti de ninguém. Mas sei o que é "ver" alguém com outros olhos.
Ou seja, deixar "envelhecer" aquilo que se guardou como se a juventude permanecesse.
Chamei-lhe "desencanto", mas podia ter chamado "actualização" sentimental!
Os anos passam sobre o corpo, mas o espírito leva mais tempo a assimilar a realidade...

Helena Sacadura Cabral disse...

Cara Helena
Como diria o filósofo "quem ama não desiste". Possivelmente essa sua amiga não gostava tanto de si como você pensava.
Ou não soube ter a coragem de enfrentar o seu sofrimento e afastou-se. Não sofra. Gaste todas as suas energias a vencer este período difícil!

Helena Pardelinha disse...

Obrigada pela reflexão! Depois de tudo, acho exatamente isso, que a amizade não era tão reciproca quanto parecia...
Obrigada pela força!
Desejo-lhe Boas festas!









TERESA PERALTA disse...


Helena, muito obrigada pelo esclarecimento.
Pode, então, não ser um “desencanto”, mas sim, outra maneira de olhar, mais madura, para esse relacionamento, chegando até a "rescrever o passado e dar um novo valor ao presente".
Outro abraço

Anónimo disse...

Há uma realidade com que não queremos lidar - talvez não seja mesmo possível lidar com ela sem nos tornarmos insuportavelmente cepticos: o facto de que "o outro" é a imagem que temos dele - ou que construimos dele, talvez por necessidade nossa antes de tudo.

Depois há o momento em que uma luz inesperada nos revela uma face até então oculta e morre (ou nasce) um mito. "É a vida"!

António M P
Cumprimentos