domingo, 27 de outubro de 2013

Um Domingo tão simples

Ontem à noite andei pela casa a acertar os relógios que só daí a uma hora deveriam ser ajustados, na tentativa de prolongar o efeito do maravilhoso filme que acabara de ver. Acertadas as máquinas fui para o terraço e lá me deixei ficar estirada no cadeirão a olhar as luzes da cidade adormecida e a lembrar a conversa que, na véspera, havia tido com o Padre Tolentino de Mendonça, a quem fora levar o meu último livro que, como já qui disse, lhe é dedicado.
No silêncio da noite fiquei a pensar no filme e na conversa tida com o meu pastor, regozijando-me da chance enorme que tenho, por nesta idade, a vida ainda ter tanto para me oferecer.
Não me refiro a bens materiais - trabalho muito para manter o que tenho -, mas sim à liberdade de que gozo de pensar, de escrever, de dizer o que sinto e de ter um PadreTolentino que me ouve sem escândalo e que me ajuda neste meu último caminhar para Deus.
Muito possivelmente este texto não terá nexo para quem não seja crente. Mas isso não me inibe de confessar que o actual caminho que pretendo percorrer tem, sobretudo, em vista a aprendizagem do saber de que necessito para me entregar, com dignidade, nas mãos de Deus.
Porquê? Porque julgo ser a altura de aprender a saber morrer, já que julgo ter aprendido a saber viver. Estas palavras estão longe de ser tristes. Pelo contrário. Elas dão sentido ao que me falta ainda percorrer.
Considero que o saldo da minha vida, a diferença entre as dores que passei e aquilo que recebi é francamente positivo. Nada me foi dado gratuitamente. Mas é justamente esse custo benefício, esse preço anímico, a parte mais fascinante de tudo o que vivi.
A noite arrefeceu, eu voltei para dentro e, hoje, o sol entrava a jorros pelo meu quarto. Arranjei-me e fui deambular e rir com velhos amigos, a apanhar os bocados de vida que Ele, lá de cima, me ofereceu, num simples Domingo do início do Outono!

HSC

24 comentários:

João Menéres disse...

Apreciei imensamente a sua crónica de hoje !

Espanta-me, ainda hoje, a sua enorme força !

Melhores cumprimentos.

Benó disse...

Como gostei de a ler absorvendo toda a paz e tranquilidade que o seu texto transmite. Que consiga no seu dia a dia levar a cabo tudo a que se propõe. Se me permite, um abraço de quem já ultrapassou os setenta e tem os mesmos desejos: preparar-se, diariamente, para a partida com alegria.

fatima MP disse...

Helena, tão lindo o seu texto. Tão bem que me fez lê-lo. Como eu admiro (invejo ...?) a sua serenidade, a capacidade de olhar nos olhos a vida como ela é, sem mal entendidos, sem auto-compaixão, sem drama. Uma benção para quem a tem por perto!
Fátima

Teresa Peralta disse...

Maravilha!.. Também eu queria chegar, um dia, a esse estágio com o mesmo espirito. Constatar, assumir e aceitar com alegria que há um tempo para tudo na vida, sem medos e sem revoltas.
Hoje, vou iniciar a leitura do "Hipopótamo de Deus"
Boa Noite Helena com um grande abraço.

Isabel Mouzinho disse...

Lindíssimo post, Helena! Transmite uma enorme serenidade e alegria de viver. Só posso agradecer-lhe estas partilhas, que nos ensinam também tanta coisa.

Um beijinho
Isabel Mouzinho

Um Jeito Manso disse...

Helena,

Diz que o texto não é triste e acredito. Penso, aliás, que sabedoria a sério é saber entender o sentido a e a finitude da vida. Mas ainda assim estamos sempre tão agarrados à vida que custa a pensar que um dia ela vai chegar ao fim.

Eu nem quero falar ou pensar nisso tal como não gosto de ouvir conversas destas às pessoas de quem gosto.

Um abraço com estima, Bárbara Helena.

Anónimo disse...


Dr.ª Helena:

Que texto delicioso !!!...

Muito Obrigada

Uma admiradora

Anónimo disse...

Dr.ªHelena,
a senhora não há-de morrer nunca!
O espírito permaneçe.
Apenas vamos todos para uma nova vida e bem melhor que esta.
Quem Nele confia vive na Luz.
e...
..."o destino Une e Separa as pessoas,mas nenhuma força é tão grande para fazer esqueçer pessoas que, por algum motivo,um dia nos fizeram felizes.
Chega um momento na vida em que se sabe quem é importante para nós,quem nunca foi,quem não é mais,e quem o será sempre."

Gosto do Fio de Prumo porque - "I have the simplest of tastes...I am always satisfied with the best" Oscar Wild

http://www.youtube.com/watch?v=cLydf0V5S_o

Deixo-lhe como presente uma música que gosto e espero que aprecie.
A mensagem é linda - The dream of the Dolphin - Enigma

E,se amanhã não estiver sol que veja o arco-íris da sua janela e uma Luz em cada cor.
MFK

Dalma disse...

Por favor HSC, mas parece-me uma atitude roçar a depressão! Os seus leitores não gostarão, penso eu, de postsdestes, eu pelo menos não gosto! Thet's all !

Professora disse...

Partilho e compreendo, na minha Fé por vezes excessivamente hesitante.

Luísa Moreira

Anónimo disse...

Tal como nunca se aprende a viver, também nunca se aprende a morrer.
Quando se aprende a viver estamos simultaneamente a aprender a morrer.
O mais importante é sempre aprender a saber ser.
Saber morrer...pode desenvolver um pouco please, pode ser tanta coisa.
Pode ser refletir sobre a morte e a vida depois da morte, desenvolver a espiritualidade, saber aceitar uma outra idade quando ela chegar.

Helena Sacadura Cabral disse...

Dalma
Bem se vê que não lidou nunca com quem tivesse depressão.
Há um tempo para amar, outro para guerrear e outro para pacificar.
Entrei neste último quando soube que o meu filho tinha uma doença mortal e que a finitude da vida também se prepara. De algum modo esse foi o caminho que eu e o Miguel fizemos juntos. E que lhe prometi havia de saber, depois, fazer sozinha.
Foi a grande, imensa, fortuna que ele me deixou. E que, com alegria, sem qualquer tristeza, me preparo para levar a cabo enquanto viver!

Helena Sacadura Cabral disse...

Anónimo das 10:08
Garanto-lhe que se aprende a viver. Não basta saber "ser", porque isso imporia que nos não poderíamos modificar. Ora a vida é mudança!

Anónimo disse...

Olá D. Helena,

Gostei do seu post e não o achei nada depressivo, bastante luminoso e lúcido até!

Encontro-me em pleno início da caminhada do aprender a viver e do me aprender a mim própria, finalmente, sinto que “peguei” no caminho certo … nem sempre gosto do que vou encontrando, talvez seja assim mesmo.

Há cinco anos atrás, por exemplo, odiava a minha vida e odiava-me a mim … até me apetecia bater com a cabeça nas paredes para ver se acordava do pesadelo em que me tinha metido … sentia-me a pessoa mais egoísta e inútil à superfície da terra!

Fiz os Caminhos de Santiago, fiz a peregrinação a Fátima, parecia uma náufraga … a boa parte das caminhadas foram choradeiras contínuas, nem tanto pelos pés, acredite, embora a de Fátima quase que acabou comigo! 

Sempre que entrava numa Igreja, chorava, chorava, quem me visse deveria pensar que estaria a pedir algo com muita devoção, mas, na realidade, era mais um expiar (do não sei o quê) do que um pedido.

Hoje, não sou necessariamente uma pessoa diferente, mas reencontrei partes de mim que havia perdido (com a exposição ao tal “contexto” do seu post anterior), outras tentei e tento modificá-las ou simplesmente adaptá-las, consoante o “contexto”, outras partes de mim simplesmente aceitei-as … acho que sou melhor pessoa agora, melhor pessoa para mim e nem sempre é fácil sermos melhores para nós próprios.

É mais fácil darmos o nosso melhor para os outros do que para nós próprios. Já alguma vez teve esta impressão?

Com estima,
Cláudia
Olá D. Helena,

Gostei do seu post e não o achei nada depressivo, bastante luminoso e lúcido até!

Encontro-me em pleno início da caminhada do aprender a viver e do me aprender a mim própria, finalmente, sinto que “peguei” no caminho certo … nem sempre gosto do que vou encontrando, talvez seja assim mesmo.

Há cinco anos atrás, por exemplo, odiava a minha vida e odiava-me a mim … até me apetecia bater com a cabeça nas paredes para ver se acordava do pesadelo em que me tinha metido … sentia-me a pessoa mais egoísta e inútil à superfície da terra!

Fiz os Caminhos de Santiago, fiz a peregrinação a Fátima, parecia uma náufraga … a boa parte das caminhadas foram choradeiras contínuas, nem tanto pelos pés, acredite, embora a de Fátima quase que acabou comigo! 

Sempre que entrava numa Igreja, chorava, chorava, quem me visse deveria pensar que estaria a pedir algo com muita devoção, mas, na realidade, era mais um expiar (do não sei o quê) do que um pedido.

Hoje, não sou necessariamente uma pessoa diferente, mas reencontrei partes de mim que havia perdido (com a exposição ao tal “contexto” do seu post anterior), outras tentei e tento modificá-las ou simplesmente adaptá-las, consoante o “contexto”, outras partes de mim simplesmente aceitei-as … acho que sou melhor pessoa agora, melhor pessoa para mim e nem sempre é fácil sermos melhores para nós próprios.

É mais fácil darmos o nosso melhor para os outros do que para nós próprios. Já alguma vez teve esta impressão?

Com estima,
Cláudia

Carla Santos Alves disse...

Helena, como ja disse, em alguns comentários, sempre gostei de si e a admirei...sem a conhecer, so de a ouvir, e ver na TV, mas o seu sorriso franco, e as suas respostas assertivas sem medos ou falsos pudores, dizem tudo.Acho-a uma Mulher Coragem e nao sei dize-lo de outra forma.

Um grande beijinho

Dalma disse...

Bom, eu só conheço a HSC pelo seu blog, nem sequer nunca a vi na televisão... Fiquei com a ideia de tristeza e realmente deve ter sido exagerado da minha parte falar em depressão! Sim talvez estivesse a falar de cor já que felizmente, tal como diz, um quadro desses nunca me ter passado por perto.
Uma vez já me disse a sua idade, mas embora já não me lembre exatamente de qual é, parece-me que será ainda cedo para pensar nisso...

maria isabel disse...


Eu não queria comentar este post,mas vou fazê-lo.
Está maravilhoso e está carregada de razão,mas gosto mais quando se ri.
Peço desculpa de dar a entender que não me parece interessante,não, é sério demais.
Abraços, não consigo dizer mais nada

Mineu Borques Leal disse...

Fiquei impressionada com este post, mas penso que ficou mais completo com a resposta que deu à Dalma. Foi linda! Quem me dera ser capaz... eu que também já passei os setenta...

Anónimo disse...

LINDO E DE UMA GRANDEZA DE ALMA ENORME.
O B R I G A D A.

Anónimo disse...

Tende como Templo o Universo;como Altar a consiência;por imagem Deus,
por Relegião o Amor.
LD

Voe
Deixe-se levar pela ternura. O que a alma sente é por natureza livre.
Deixe-se conduzir pela leveza. O que é profundo é, ao mesmo tempo, suave e forte.
Deixe-se penetrar pela bondade. A vida sempre responde bem ao que movimenta o que recebe.
Deixe-se ser cuidado. O amor do outro cura a alma, aproximando-a do divino.
Deixe-se impregnar pela poesia. Sua arte leva o espírito às dimensões transcendentes.Deixe-se ousar. A criatividade é mãe da alegria e da ciência de viver.
Deixe-se experimentar o sabor de viver apaixonadamente. A vida se revela prazerosa àquele que a torna intensa.
Deixe-se envolver pela espiritualidade. O ser humano é espírito, independentemente do corpo que lhe serve de instrumento.
Deixe-se voar. O voo é dos que descobriram a liberdade.
Ame o voar; voe no amor.
Poema de AD

Manuela Silva Mergulhão disse...


Que belíssima interpretação de um fim a caminhada para Deus nestas ultimas semanas tenho pensado mais sobre a partida sinto que neste momento faria falta problemas familiares que pensaria resolvidos vem atormentar-me.
Queria tanto sentir-me disponível para me entregar como a senhora está e como eu estava; mas agora .
não por alguma coisa Deus me quis até agora cá.

Anónimo disse...

O meu Domingo fui maravilhoso!

Celebrou-se, aqui na paróquia, o sacramento da confirmação (Crisma, como é vulgarmente conhecido). Como elemento do grupo coral, fui cantar à cerimónia.

Foi fantástico. Foi um clima de tanta paz que, intimamente, aprovei para "renovar os votos". Também me soube muito como o administrador apostólico do Porto se abeirou do grupo coral para lhe dar a benção.
Só lamento já não ser D.Manuel Clemente o bispo do Porto. Se ainda cá estivesse talvez tivesse sido ele a celebrar o sacramento, mas D. Pio Alves também esteve bem e até se revelou um ser humano bastante próximo.

Vânia Baptista

Anónimo disse...

Agradeço a sua resposta: a vida é mudança.
Também foi isso que eu quis dizer, como a vida é mudança nunca conseguimos dá-la como aprendida.
Ser também é mudança.
Acredito que quando estamos a aprender a saber viver tb estamos a aprender a saber morrer.

Anónimo disse...

Permita-me que lhe diga o seguinte:
Para mim, que não sou crente, este é provavelmente o post mais bonito que tem no seu blog.
Obrigada,

Irene