domingo, 14 de julho de 2013

O essencial e o acessório

Hoje perguntaram-me qual era o segredo da minha boa disposição. A pergunta fez-me sorrir, mas a resposta saíu imediata: "só me preocupar com o essencial e jamais com o acessório". É claro que nem sempre é fácil seguir o princípio. Mas como ele está bastante interiorizado dentro de mim, mesmo quando faço desvios, não demoro a voltar ao redil.
E o que é que é, para mim, essencial? Aquilo que serena a minha consciência, que dá sentido à minha vida, que me permite sentir-me gente e me faz deitar na minha cama agradecendo sempre que Deus tenha olhado por mim. 
Para outros, serão certamente diversos os critérios. Mas a questão básica mantém-se. E esta é saber graduar a importância das coisas. Quando se sofreu muito, a dimensão do acessório é quase nula e, por isso, as pessoas nestas condições seleccionam, por norma, muito bem o que é essencial.
No meu caso particular, fui educada a fazer naturalmente essa distinção. Em especial por parte dos meus avôs maternos e pelo meu Pai que contemporizavam pouco com falsos estados de alma e sempre chamaram a minha atenção para a correcta "dimensão do sofrimento". 
Depois, o divórcio e a morte de um filho acabariam por ajudar a construir o resto, tornando-me bastante incólume ao chamado acessório da nossa existência, que, como a caravana, passa e não deixa marca a não ser no chão.
Esta forma de olhar o mundo à minha volta formatou as minhas preocupações. Hoje só despendo energias com aquilo que é vital e dá sentido à minha vida. E, como viver é um processo contínuo de aprendizagem, o segredo da minha tranquilidade e, algumas vezes, até da minha gargalhada, está na segurança que tal opção me proporciona e sem a qual dificilmente seria quem sou!

HSC

16 comentários:

Virginia disse...


Uma grande Atitude perante a Vida.

Parabéns. Continue assim.

Um Jeito Manso disse...

Grande Helena,

Como admiro a sua coragem. Não sei como consegue energia e ânimo para aguentar o que aguenta. Só uma solidez anímica muito grande e uma invejável auto-estima o justifica.

Receba a minha grande admiração por si e receba os meus votos de que assim, forte e serena, se consiga sempre manter.

maria disse...

Obrigada por este texto. Senti cada palavra como se fosse minha. Peço desculpa. Tocou-me especialmente este bocadinho "Quando se sofreu muito, a dimensão do acessório é quase nula e, por isso, as pessoas nestas condições seleccionam, por norma, muito bem o que é essencial".

Permita-me que lhe deixe um beijinho.

Teresa Peralta disse...


Mesmo que alertados para a “dimensão do sofrimento” são diferentes as formas de interiorização das próprias experiencias, o que faz com que, neste caso, a sua forma de ser, seja única... Maravilhoso, é o exemplo que nos dá.
Um abraço reconhecido

Maria disse...

Lindo, o texto! Lindo o exemplo de vida e a postura perante as adversidades da mesma!
Como diz "le petit prince": "Só vemos vem com o coração. O essencial é invisível para os olhos". É...
Obrigada pela partilha do seu exemplo de vida.
Um abraço fraterno.
Maria (seg. int.)

Virginia disse...

Só uma achega.

Por vezes o sofrimento é muito difícil de superar e nunca pode ser considerado acessório porque nos rouba poder gozar plenamente do essencial.

Falo de doença crónica dum filho por exemplo. Como aguentar o seu handicap perante uma sociedade tão calculista e virada para o sucesso a qualquer preço?

Não podemos fechar os olhos. O bem dos nossos filhos, como bem sabe a Helena, é essencial para a nossa felicidade. Mas um sorriso ou uma gargalhada espontânea nunca se devem sufocar pois até ajudam a superar o insuperável.

Bjinho

Isabel Mouzinho disse...

"Saber graduar a importância das coisas" é de facto a grande aprendizagem a fazer na vida.

Obrigada por mais este "maravilhoso exemplo" (como diz a Teresa Peralta -e eu concordo) de serenidade e "sagesse".

Beijinho
isabel Mouzinho

Helena Sacadura Cabral disse...

Cara Virginia
Julgo que me não entendeu. A doença crónica de um filho - sei, infelizmente o que isso é -, nunca será algo acessório. Nem o sofrimento daí decorrente.
Mas a forma como vivamos essa dor permanente, é que pode variar de pessoa para pessoa.
Na minha experiência pessoal, esforço-me por não estar permanentemente a lembrar ao meu familiar as asneiras que ele faz. Tentando, no fundo, não tornar ainda mais essencial, algo que já o é.
Fiz-me entender?

Anónimo disse...

http://www.youtube.com/watch?v=1qrm6l5FXQk

Seria mto bom que vissem este video,certos anónimos principalmente,quem sabe entendam de uma vez que a DrªHelena antes de ser mãe é uma mulher e que não podem nem devem misturar certas coisas.
Parabéns DrªHelena pela força da natureza que é,pela mulher brilhante que é,pela isenção no seu examinar,pela capacidade que tem embora com sofrimento,acredito que sem sofrimento não é,de ter o distanciamento possivél,se saber que existe o seu filho e existe o dr Paulo Portas.Só alguém mto iluminado o consegue fazer.
Parabéns por ser quem é,parabéns por existir,parabéns pela generosidade,de tornar-nos a todos um pouco melhores,com a sua sabedoria de vida,e académica tmb.
Qdo eu crescer vou querer mto ser como a Sra,mas para isso só morrendo e nascendo de novo,pois já estou velha.
A minha homenagem e gratidão por tudo que vou aprendendo qdo a leio,quando a oiço e qdo a vejo.
Bem haja e por favor cuide-se,o mundo precisa mto de gente assim.
bj em seu coração que Deus a abençoe e guarde na palma de Sua mão
Fátima Duarte

Virginia disse...

Posso explicar-me melhor. A minha filha sofre de esquizofrenia e vive comigo. Juntas vivemos o melhor possível e rimos muito até porque somos parecidas e adoramos tudo o que é música, filmes, passear em Inglaterra, etc. Mas a mágoa é só minha, ela vive dia após dia como se estivesse num mundo sem preocupações, sem dramas, sem problemas. Toma a sua medicamentação e sabe que sem ela não pode viver. Tendo dois mestrados feitos em Leeds, trabalha comigo na editora até mais ver, embora a sua ânsia seja de voltar para lá.
Isto angustia-me e deixa-me sem capacidade muitas vezes de me sentir plenamente em paz. E sem paz, penso eu que ninguém é feliz.

Não a posso culpar a ela de nada, apenas alegrar-me com TUDO o que ela faz. E amá-la mais ainda do que aos outros dois filhos, que têm vidas normais.

Desculpe estar a ocupar-lhe o espaço, mas tinha de explicar porque é que o essencial nos faz sofrer tanto. O acessório até pode aliviar essa dor, fazer esquecê-la por momentos...

Paula Ferrinho disse...

Essa "disciplina emocional" é muito difícil, mas será certamente a receita para um bem-estar mais permanente e efetivo, acredito que sim, embora não o consiga ainda fazer! Depois, a visão terapêutica do sofrimento e da dor, também ajudará, certamente... não será nunca o sofrer por sofrer por si só...
1 Beijinho, Helena!

Anónimo disse...

Querida Drª Helena:

Não deixa de ser curioso, perante algumas incertezas e anseios, ontem apeteceu-me ler uma página (ao calhas) de "O Principezinho"... faz-me muito bem ler as suas aventuras fora do planeta B612. O cuidado que tinha com a sua rosa, as lagartas que a rosa suportava para conhecer as borboletas ("dizem que são tão bonitas!")... os 53 minutos que gastaria (se os tivesse) para ir até à fonte e beber tranquilamente a água que dela jorra.

Ao ler o seu post, hoje, tudo ficou mais claro sem que ainda tenha ido buscar o livro.

Um beijinho,
Vânia

Anónimo disse...

Como gostava de 'saber graduar a importância das coisas', mas num mundo em que as coisas importantes são inalcançáveis, só me resta valorizar as coisas pequeninas, até os problemas, por mais pequeninos que sejam, torno-os grande, para compensar a balança.

Acho que estou a ficar descompensada, cansada de ampliar umas coisas para suportar outras. Mas eu, ao menos tenho consciência disto, a maioria das pessoas faz o mesmo e nem dá por isso.

Estou cansada, diz-me lá onde é que compraste a tua régua?


Anónimo disse...

A Helena Sacadura Cabral é uma pessoa muito Grande!

Maria Júlia Sobrinho disse...

Depois de ler o seu post,só lhe quero enviar um beijo.



Cristina disse...

A aprendizagem da serenidade é muito longa. Todos os dias digo a mim prórpia para só me preocupar com o que é realmente importante e deixar para trás o que é acessório. Mas às vezes parece-me que na minha vida considero tudo principal. Até o que ainda não veio e que já me preocupa por antecipação. Queria conseguir encontrar a serenidade de que a Helena fala, mas sou demasiado ansiosa ...