sexta-feira, 26 de julho de 2013

O cancro

O cancro, na minha família, matou as duas pessoas que mais amei: a minha mãe e o meu filho. Ambos passaram pelo IPO. 
O Miguel fez do Instituto a sua casa. Recebia o partido, os amigos e a família como se todo aquele cenário fosse normal e o convívio destas três categorias de pessoas tornou-se na coisa mais natural do mundo. A mim, esse condição retirava-me a intimidade com ele e, por isso, confesso, em certas alturas custou-me imenso. Beijar ou acariciar um filho na presença de pessoas que apenas conhecia da televisão, foi muito complicado. Mas teve o condão de me fazer estima-las.
A minha mãe, no início, sofreu bastante porque os tratamentos eram muito duros. Mas encontrou em Inglaterra, onde o meu irmão mais velho então estava colocado, o médico que a salvou, pelo que o IPO lhe foi menos familiar.
Falo disto porque sei o que representa, numa família, ter um dos seus membros com tal doença. E sei que é preciso falar dela, para que o medo não se torne silencioso. O que todos mais tememos não é a morte, porque essa é segura e garantida. O que todos mais tememos é o sofrimento. E é esse que faz a grande diferença entre o que era esta doença há trinta anos, quando a minha mãe a teve, e aquilo que ela é agora, quando o meu filho a viveu.
Ambos morreram com extrema dignidade. A minha mãe, entregando-se a Deus. O Miguel, entregando-se a nós. É capaz, afinal, de não ser muito diferente!

HSC

17 comentários:

Um Jeito Manso disse...

Apenas algum tempo decorrido se consegue começar a falar do que nos magoa muito, não é? Imagino como as palavras que escreveu vieram do mais fundo de si.

Fala-se nisto para que se perca um pouco o medo. Mas como não ter medo de uma ameaça tão brutal, não é? Mas tem razão, Helena, no que diz.

Eu perdi nos últimos anos também duas pessoas próximas e tenho uma que neste momento vive com a mesma doença e é verdade: não é já aquele sofrimento físico. O que custa mesmo é a ameaça, o terror do que pode estar por vir, o não se saber quando será mas saber-se que o relógio está a contar.

(Mas afinal não conta para toda a gente, mesmo os que estão ou se julgam saudáveis...?)

De qualquer forma, quem tem a pouca sorte de ser atingido ou de ter algum familiar doente com cancro, não deve desistir. Há muitos casos de cura, muitos, muitos.

Envio-lhe um abraço, corajosa Bárbara Helena.

Teresa Peralta disse...


A minha experiência neste sentido acabou há dois meses, com a morte da minha mãe. Também ela se entregou a Deus, mas, o que mais custa superar, como a Helena refere, é o sofrimento destes entes queridos e, aquela revolta sufocante de não podermos fazer nada para o atenuar.
Tenho reparado que estas tristes vivências nos tornam mais tolerantes, e que nos ensinam a dar uma relativa importância a tudo aquilo que nos acontece, depois... E, sabe uma coisa, dei por mim a repetir muito mais a tal frase: - Quero lá saber!...
Um beijinho para si e obrigada pelos exemplos que me dá.

Anónimo disse...

Sem palavras.

Mais um belíssimo texto.
Muitos parabéns e força.

Um beijinho,
Vânia

Manuela Silva Mergulhão disse...

Bem aja Helena pelo magnifico filho que Deus levou por ser uma figura publica gostava dele muito antes de saber que a doença o minava tal como a minha filha e ao meu marido os filhos não são nossos mas é muito bom que enquanto fazem a caminhada pela terra sejam as pessoas boas que foram.
Manuela

Maria disse...

Minha querida, sei bem o que o sente e reitero tudo o que diz.
Também eu tive o meu pai no IPO, há 19 anos, com um problema oncológico muito grave, que, no espaço de 3 meses, o fez sofrer tanto, que ele próprio dizia "para que era PRECISO SOFRER TANTO PARA MORRER"?. É muito importante, de facto falar sobre o assunto! O meu pai Partiu no espaço de 1 mês, entre ser operado (a 31 de Dezembro) e Partir (a 29 de Janeiro - dia do aniversário do meu marido). Foi duro, muito duro! Mas hoje falo do assunto já sem chorar, não com distanciamento, mas com discernimento... Entende-me,não é, querida Helena?
Lembro-me também da humanidade de todo o pessoal do IPO. Não há palavras para descrever tudo o que fizeram pelo meu pai. Ele próprio dizia que eram umas santas para ele e a equipa dizia-me que nunca tinham tido um doente tão especial,como ser humano, como o meu pai. Era algo, que na altura, me "confortava" a dor imensa... Se é que há alguma coisa que nos possa confortar, nestas alturas!?...
Tornei-me dadora de sangue, nesta altura e, dei várias vezes sangue, no IPO, já depois de o meu pai ter Partido. E o carinho com que me perguntavam, como é que eu estava... Deixei um agradecimento público, no Serviço onde ele esteve e no Hospital e, no dia seguinte ao funeral, fui ao IPO, agradecer pessoalmente a toda a equipa, tudo o que tinham feito pelo meu pai.Lembro-me de como todos ficaram surpresos por eu estar ali, no dia seguinte ao funeral do meu pai, mas continuaram-me a dizer que ele tinha sido um doente muito especial, como ser humano, e que só poderia estar num lugar muito especial (eu também acho e tenho a certeza disso). Isso, apesar de não chegar, à época, era um conforto para a alma...e dava-me imensa tranquilidade, para poder andar em frente... Foi um luto muito duro, que não se deseja a ninguém que passe. Foi mesmo muito duro! Ele era a minha referência, era a minha estrutura, era o meu "tronco"... Partiu com 63 anos, com tantos projetos por cumprir, como o seu filho (muito mais novo)... Mas partiu com dignidade, como o seu filho.
Minha querida, já fiz catarse e partilhei consigo,a minha dor profunda pela perda do meu pai. Obrigada por me permitir fazê-lo através do seu blog.
Um abraço e um beijo com muito afeto e gratidão!
Bem haja!
Maria (seg.int.)

Unknown disse...

Passo agora por uma situação semelhante com a minha avó com Cancro. Faz-me confusão a perda de dignidade da pessoa humana e como tão rapidamente se transforma uma pessoa numa qualquer restia de posiçao fetal pesada à vista... Como se lida com estas coisas era uma pergunta que eu gostava de ver respondida...

Anónimo disse...

Este seu pequeno gesto, descrevendo as doenças de sua Mãe e seu Filho, e como as encarou, estou certo que ajudará os Familiares daqueles que tenham sido atingidos por esta doença. Mas é certo que somente quem viveu esse drama, lhe encontra a dimensão exata.
Abraço

ERA UMA VEZ disse...

Todos os olhos a pressentiam quando chegava.
Havia um íman de estrela em cada gesto, um "estou aqui" que não era incómodo mas vaidoso, divertido, de bem com a vida.
Uma tese de doutoramento sobre a poesia inglesa da Idade média obrigou-a a abrir caminhos e veredas insondáveis, a aprender a escrever uma língua arcaica. Orgulhosa e feliz com o seu trabalho que estava praticamente concluido. Uma nova cadeira da Católica esperava por ela para ser iniciada. Um lugar no Ministério da Educação por onde passara e a queriam de volta.Uma família feliz. Uma casa nova, com a sua cara, que ainda decorava...Há momentos na vida em que parece nada de mal poder acontecer...Cinquenta e poucos anos e um medo "terrível"(quase doentio de envelhecer...

Não envelheceu. Foram catorze meses de luta e muito muito sofrimento.
Naquela semana de Março de 2007 perdi a minha única irmã...e vi nascer a minha primeira neta.
A vida dá e tira...sempre foi assim.

Não passou um dia que não a lembrasse porque ainda hoje dentro de mim...não "aceitei".
Resta-me passar por lá de vez em quando,contar-lhe as novidades e dividir as flores que levo em duas partes iguais.

A seu lado, repousa Sofia de Mello Bryner.
Quero acreditar que em noites de luar
trocarão poemas, como fazíamos quando éramos crianças.
Ainda te amo Carmo.


Fatyly disse...

"O que todos mais tememos é o sofrimento."

tal e qual...e como compreendo tão bem o que escreveu!

Um abraço

Anónimo disse...

AH!!!
É verdade, já me esquecia e é importante:

Feliz dia dos Avós.

Vânia

Helena disse...

Helena
Adorei o seu texto, mas o último parágrafo tocou-me particularmente, porque é mesmo assim: uns entregam-se a Deus e outros entregam-se a nós. Fez-me lembrar Saramago , no final de Memorial...

Isabel Mouzinho disse...

É preciso falar destas coisas sim, Helena, para não nos esquecermos que elas existem e porque estes são os assuntos que tentamos evitar tantas vezes, por pudor ou por uma infinidade de razões que às vezes nem sabemos bem quais são.
E ainda que o medo seja incontornável, partilhá-lo é também uma forma de o mitigar.

Um grande beijinho
Isabel Mouzinho

Carochinha disse...

Queria Helena,

Na minha família (bastante extensa) e entre amigos, esta doença maldita já nos bateu à porta várias vezes. A minha mãe morreu com pouco mais de 30 anos e, felizmente, o cancro hoje é encarado de forma bem diferente daquele tempo (final dos anos 80), pela sociedade e pelas equipas médicas. Sou da mesma opinião; é muito importante falar, debater, alertar, cuidar,...

Um grande beijinho e bom fim-de-semana*

HBC disse...

Cara Helena,

Mais um belíssimo texto sobre um tema que hoje, felizmente, já se fala abertamente. Um doente oncológico ao lê-lo sentirá de uma forma diferente.
Sempre com amizade.

Anónimo disse...

Querida Helena,

Como dizia a minha avó "Que Nosso Senhor nos livre a todos de tamanha doença".

Beijinho,

Isabel BP

Anónimo disse...

A 'velha senhora' diz-se-me muito sensibilizada, como médica, com os textos e comentários sobre o IPO e o cancro, e encantada, como leitora, com a qualidade de escrita de alguns deles:

belo texto, ana vidal!
tenho eu, médica, presente
sempre quem 'stá no hospital
do outro lado - o do doente.
ai de nós se isso esquecemos,
que perdemos leme e remos!

Anónimo disse...

SrªDrªHelena,deixo aos seus amores,senhora sua mãe * e seu filho *,o seu infante,que Deus tem,uma Oração e rosas brancas.

Para si,rosas chá e um livro - Não há Longe Nem Distância -(Richard Bach)e que Deus a ilumine sempre.

Aos seus netos,e restantes filhos,um filme - Dragonfly - e que tenham força e equilíbrio para prosseguir o seu caminho.

Matumbo Feliz Kifala