quarta-feira, 18 de março de 2009

A sexualidade e a Igreja

Sou católica praticante. Batizei-me com 19 anos. Consciente, portanto, do simbolismo e do compromisso do gesto. Sinto-me filha de Deus. Mas, nesta condição, rebelo-me algumas vezes com os represententes do Pai, na Terra.
Em matéria de sexualidade e com os condicionalismos da vida de hoje, sinto que é pedido aos homens que sejam santos. E nem todos podem ou são capazes. Esquecendo-se uma virtude cristã essencial, que é a tolerância e a sua magnífica corporização, no amor do próximo.
Rebelei-me, há dias quando, a propósito de uma criança de nove anos, grávida do familiar mais próximo, a hierarquia decidira excomungar aqueles que, para ela não morrer, haviam praticado o aborto clínico. Deixando, afinal, fora dessa excomunhão o pai, responsável pelo acto. Arrepiei-me só de pensar que aquilo que a comunicação social relatava podia ser verdade.
O Papa visita hoje os Camarões e segue para Angola, na sua primeira viagem a África, o continente minado pelo HIV. À chegada, entre afirmações carregadas de preocupação por justiça e pelos direitos humanos, indiscutivelmente muito importantes, abordou o tema da sida, para condenar, mais uma vez, o uso do preservativo que considera não resolver o drama que se vive ali.
Voltei a rebelar-me. Claro que não é para "resolver" o problema que eles são distribuídos. É para "prevenir" a sua expansão. É para evitar que as crianças que nascem já infectadas possam contaminar futuros parceiros. É para dar a populações que nada têm ao seu alcance, a possibilidade de fruir de algum prazer, sem o custo inexorável do contágio. É, enfim, para permitir alguma vida àqueles cuja única chance é morrer.
Eu sei que a Instituição leva muito tempo a refazer-se e não pode questionar-se sobre certas matérias, sem correr o risco de desagregação. Mas também sei que, hoje, o sacerdócio, as vocações e a práctica religiosa se estreitam cada vez mais, despovoando as Igrejas de fieis. Que se sentem marginalizados e abandonados por ela.
O diálogo impõe tolerância e flexibilidade. A pulsão sexual nos jovens é muito forte e dificilmente compaginável com a castidade pura e dura, num mundo onde as primeiras relações despontam aos 14 anos. Se Deus, materializado em cada um dos párocos que nos acompanham, se não compadecer com os jovens, vai perdê-los. Qual é o Pai que face a isto, se não se solidariza com os filhos? Tenho a certeza que Ele, na sua infinita bondade, compreende todos aqueles que não conseguem ser santos...

H.S.C



3 comentários:

Pedro disse...

religião à parte, há discursos, que de tão irresponsáveis, chegam a criminosos; isto arrepia-me e mais me convence que há alguma forma de autismo a singrar algures

José Bourbon-Ribeiro disse...

Helena, sobre o caso da criança de nove anos, uma correção: o porta-voz da Conferencia Episcopal Brasileira esclareceu que não existiu excomunhão, mas uma avaliação do Bispo da Diocese de que aquele ato médico, em si, era passível de excomunhão. No mesmo esclarecimento, não aliviou o pai-violador! Como é obvio!

Um beijo do

JBR

Helena Sacadura Cabral disse...

O que mais me indignou foi, justamente, a ausência de qualquer menção ao pai violador e a imediata acusação aos intervenientes num ato médico que pretendia salvar uma criança de nove anos do anátema que tinha sofrido. Não é a primeira vez que tal acontece no seio da Igreja a que pertenço. E creio que as primeiras palavras de avaliação do Bispo da Diocese deveriam ter ido de imediato para o incestuoso abusador e não para aqueles que intervieram no ato médico. Ou estarei enganada? Será que o energúmeno ascendente só merece expiação civil?

Saudades imensas dessa minha família quase brasileira.

HSC